Desembargador autoriza retirada de tornozeleira eletrônica de João Abreu

O ex-secretário-chefe da Casa Civil João Abreu, conseguiu hoje (2) mais uma vitória no Tribunal de Justiça.

Depois de conseguir a revogação da sua prisão preventiva, o empresário garantiu também a derrubada da decisão que o obrigava a ser monitorado por tornozeleira eletrônica.

Em mandado de segurança impetrado pelos seus advogados logo após a saída do quartel do Corpo de Bombeiros, João Abreu alegava que a medida era extrema e descabida.

Ele não chegou a usar a tornozeleira, porque o desembargador Raimundo Barros concordou com os argumentos da defesa e determinou a revogação da decisão anterior,do desembargador José Luiz Almeida.

“A autoridade coatora aplicou medidas cautelares diversas de prisão […]. Todavia, examinando os autos processuais verifico que medidas cautelares impostas pelo impetrado foram em parte desarrazoada. […] No que tange a monitoração por meio da utilização de tornozeleira eletrônica […], vislumbro que tal monitoramento é medida extrema, haja vista que o impetrante apresentou-se de forma espontânea para ser detido, bem como não ficou demonstrado qualquer indicio  que o mesmo estaria tumultuando as investigações ou tentando empreender fuga, ou mesmo, qualquer ato que violasse a garantia da ordem pública”, destacou.

Em seu despacho, o magistrado ressaltou, ainda, “as condições pessoais favoráveis” ostentadas por João Abreu

“Primariedade, bons antecedentes, residência fixa e trabalho, eis que é um empresário conhecido e bem sucedido no Maranhão, além de ser advogado, tornando apta a revogação da monitoração por meio utilização de tornozeleira eletrônica, eis que tal medida para causar um constrangimento desnecessário ao impetrante perante toda sociedade, causando prejuízos imensuráveis que lhe marcarão por toda vida”, decidiu.

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  1. Essa decisão foi uma vitória do Poder Judiciário que mostrou não ser submisso aos achaques de Flávio Dino. Não discuto o cidadão João Abreu, que foi preso apenas por ter sido assessor direto de Roseana, mas existem tantas ilegalidades dos governos anteriores e ninguém faz nada. Pensei que esse tipo política não existisse mais.

  2. Delegado natural é princípio basilar da devida investigação criminal

    Por Ruchester Marreiros Barbosa

    Após a transição do regime militar para o democrático ocorrida politicamente no Brasil em 1985 e formalmente pela Constituição de 1988, os órgãos que compõem o sistema penal, responsáveis pela responsabilização criminal da pessoa humana, passaram por mudanças estruturais para garantir a máxima efetividade[1] das garantias fundamentais, assim entendidas:

    “À norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. É um princípio operativo em relação a todas e quaisquer normas constitucionais, e embora a sua origem esteja ligada à tese da actualidade das normas programáticas (Thoma), é hoje, sobretudo, invocado no âmbito dos direitos fundamentais (no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais)”.

    Da mesma forma que ocorreu na Espanha, por exemplo:

    “Os moderados do regime e da oposição construíram uma reforma pactuada. Por fim, as negociações levaram a uma ruptura pactuada, que permitiu o desmonte dos elementos não democráticos do Estado franquista e a criação de novas estruturas democráticas. Esse processo, em seu todo, foi chamado de reforma pactuada-ruptura pactuada”[2].

    Assim se tentou fazer com as agências que atuam no âmbito do sistema processual em nosso novo modelo político democrático, com o Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública, a advocacia e a polícia judiciária, que receberam da constituição o status de instituições “naturais”, ou seja, exercem suas funções consideradas primordiais à garantia do livre exercício das liberdades individuais, em especial a própria limitação desses órgãos ao distribuir explicitamente as funções da cada uma e, portanto, seus próprios limites às liberdades públicas.

    Insta salientar que o sistema adotado por um país demonstra o regime político nele vigente, ou seja, em um regime autoritário a força pura seria o máximo de legitimação do sistema, enquanto em um regime democrático a garantia à dialética é a máxima legitimada no sistema.

    Nas palavras de Rui Cunha Martins[3], o processo penal:

    “É o microcosmo do Estado de Direito, (….) não é apenas o instrumento de composição do litígio, mas, sobretudo, um instrumento político de participação, com maior ou menor intensidade, conforme evolua o nível de democratização da sociedade, afigurando-se para tanto imprescindível a coordenação entre direito, processo e democracia, o que ocorre pelo desejável caminho da Constituição”.

    Por isso, alerta Geraldo Prado[4]:

    “O fato de vivermos em uma democracia política exige, é claro, o respeito à lei, mas também requisita a denúncia da presença e atualidade de elementos autoritários, mesmo em regimes democráticos, a contaminar de modo negativo a legitimidade invocada pelo Direito Penal e, consequentemente, o próprio sistema penal”.

    A mudança após a Constituição de 1988 se deu por razões da ideologia democrática, que consiste em:

    “Amplo compromisso intelectual e com as normas e procedimentos da contestação. Não teológico. Respeito pelos direitos das minorias. Estado de Direito e valorização do individualismo”[5].

    Diante dessas premissas, podemos dizer que um sistema processual penal garantista é aquele que permite uma conectividade democrática entre as agências do sistema acusatório e as agências como garantidoras das liberdades públicas. É a arte de um agir do Estado respeitando os direitos humanos e as garantias fundamentais. É reconhecer a necessária autolimitação por se saber que “o poder tende ao abuso”[6].

    A limitação do poder é uma característica marcante do Estado de Direito Democrático e, por essa razão, as agências atuam nos estritos limites definidos por normas constitucionais, formal ou materialmente instituídas.

    A limitação harmônica entre os poderes se deve realizar de maneira formal e institucionalizada, sem espaço para interferências externas de um poder sobre o outro, ponto nevrálgico da autonomia e independência no âmbito de atuar de cada órgão, notadamente do Judiciário, Ministério Público, advocacia pública ou privada e a polícia judiciária.

    A impossibilidade formal de interferência política externa é uma garantia do investigado/réu/condenado de que a agência atuará de forma independente. É essa a função essencial à administração da Justiça e do acesso a uma ordem jurídica justa[7].

    Por essa razão, um dos pontos primordiais ao sistema processual é dotar seus órgãos de autonomia e independência. Inicialmente desvinculados entre si e lhes atribuindo funções de garantias ao investigado/réu/condenado com limitações explícitas.

    A Constituição, portanto, assim o fez, por exemplo, entre a Defensoria Pública e o Ministério Público. No Rio de Janeiro, a Defensoria Pública fazia parte do Ministério Público, sendo o cargo de defensor público um cargo inicial da carreira, conforme a Lei 5.111/62.

    Outro exemplo de ausência de independência harmônica e interferência política entre poderes era o artigo 96 da Constituição de 1937, de inspiração autoritária polonesa, conhecida como Constituição Polaca, que previa poder absoluto do Executivo e do Legislativo sobre o Judiciário:

    “Só por maioria absoluta de votos de totalidade dos seus juízes poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade da lei ou de ato do presidente da República.

    Parágrafo único. No caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei, que a juízo do presidente da República seja necessária ao bem-estar do povo, à promoção ou defesa de interesse nacional de alta monta, poderá o presidente da República submetê-la novamente ao exame do parlamento; se este confirmar por dois terços de votos em cada uma das Câmara, ficará sem efeito a decisão do tribunal”.

    Verifica-se, portanto, a razão de os órgãos do sistema de Justiça criminal terem explicitadas as suas funções e serem todas consideradas como essenciais à administração da Justiça, inclusive a função investigativa da polícia judiciária, na qual, após a Constituição de 1988, passou a ser dirigida por um delegado de polícia de carreira, bacharel em Direito, cargo acessível por concurso público, exatamente como as demais carreiras jurídicas que integram o sistema de Justiça criminal.

    Salienta-se que a polícia judiciária não obstante estar alocada na Carta Política, no capítulo sobre Segurança Pública, se insere no título V (“Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas”), o que não a exclui da função precípua de ser uma garantidora dos direitos fundamentais do investigado e, por isso, em especial a polícia judiciária, por compor o sistema de Justiça criminal, ser também, como ensina o juiz André Nicolitt[8], “como protagonista da investigação criminal exerce função essencial à Justiça, como garantia implícita na Constituição”.

    Diante dessa necessária democratização da Justiça penal, notadamente dos órgãos nela atuante, a fundante independência natural que emerge das funções desempenhada pelos órgãos, e por isso, juiz natural, promotor natural, defensor natural e delegado natural. Nos dedicaremos ao último.

    Na doutrina, os professores Nestor Távora, advogado, e Rosmar Rodrigues Alencar, juiz federal[9], atentos a essa maturidade institucional de ideologia democrática, entendem que nosso ordenamento consagra o princípio do delegado natural, diante do artigo 2º, parágrafo 4º da lei 12.830/13.

    Ao comentar esse dispositivo, assim aduzem:

    “(….) o parágrafo 4º, de seu artigo 2º, que suscita a ideia de um princípio do delegado natural, na esteira noção mais geral de um princípio da autoridade natural (juiz natural, promotor natural e defensor natural)”.

    Prossegue mais adiante:

    “Conquanto haja resistências da jurisprudência e da doutrina majoritária em admitir tal princípio do delegado de polícia natural, entendemos que já se trata de princípio positivado no sistema”.

    Em outras palavras, o princípio do juiz natural deve ter como correspondente um princípio correlato com todos os operadores da Justiça criminal em razão da necessária relação de cooperação, e não de subordinação entre eles, para as garantias de independência e imparcialidade na razão de decidir de cada um. Nesse sentido citamos o caso Nadege Dorzema e outros vs. República Dominicana[10].

    Ainda sobre a garantia de independência e imparcialidade, a Corte IDH, no mesmo caso citado, se pronunciou sobre a necessidade de se garantir aos órgãos administrativos (os que não são jurisdicionais) que atuam no sistema de Justiça criminal a mesma imparcialidade e independência dos juízes[11]:

    “Dichas garantías deben ser observadas en cualquier órgano del Estado que ejerza funciones de carácter materialmente jurisdiccional, es decir, cualquier autoridad pública, sea administrativa, legislativa o judicial, que decida sobre los derechos o intereses de las personas a través de sus resoluciones”.

    Para não deixar dúvidas de que a Corte IDH exige que aos órgãos da investigação criminal sejam atribuídas garantias aos investigados como garantias do atuar do próprio órgão sem ingerências políticas, destacamos o trecho decido por ela no Caso González y otras vs. México[12], conhecido como o caso do “Campo Algodonero”:

    “(….) deberá asegurarse que los distintos órganos que participen en el procedimiento de investigación y los procesos judiciales cuenten con los recursos humanos y materiales necesarios para desempeñar las tareas de manera adecuada, independiente e imparcial, y que las personas que participen en la investigación cuenten con las debidas garantías de seguridad”.

    No Caso Jesús Vélez Loor vs. Panamá, a corte foi mais além. Entendeu que o órgão administrativo responsável pela investigação, que tenha poder de decidir, por lei, sobre a liberdade ou manutenção da prisão de uma pessoa, é um órgão que exerce função materialmente judicial. No Brasil, esse órgão com função materialmente judicial é o delegado de polícia, além do juiz, devendo por isso ser dotado de independência e imparcialidade, conforme se depreende do trecho da sentença:

    “Este Tribunal considera que, para satisfacer la garantía establecida en el artículo 7.5 de la Convención en materia migratoria, la legislación interna debe asegurar que el funcionario autorizado por la ley para ejercer funciones jurisdiccionales cumpla con las características de imparcialidad e independencia que deben regir a todo órgano encargado de determinar derechos y obligaciones de las personas. En este sentido, el Tribunal ya ha establecido que dichas características no solo deben corresponder a los órganos estrictamente jurisdiccionales, sino que las disposiciones del artículo 8.1 de la Convención se aplican también a las decisiones de órganos administrativos. Toda vez que en relación con esta garantía corresponde al funcionario la tarea de prevenir o hacer cesar las detenciones ilegales o arbitrarias, es imprescindible que dicho funcionario esté facultado para poner en libertad a la persona si su detención es ilegal o arbitraria”.

    Como se observa, a Corte Interamericana de Direitos Humanos possui diversos precedentes segundo o qual o imputado deve ser tratado, desde o início da investigação criminal como sujeito de direitos, em razão da necessária consagração de todas as garantias fundamentais, como a defesa e a imparcialidade e independência do órgão que efetivará esses seus direitos, de forma que não tenha ingerência política de governos.

    Mas do que existente é uma necessidade fundante de um dispositivo democrático no sistema de Justiça penal. Não é por outro motivo que a observância do delegado natural implica necessariamente em vedação a retirada da presidência do procedimento investigatório por avocação, também consagrado na lei 12.830/13.

    Para garantir o princípio do delegado natural, os critérios devem ser objetivos, eletrônicos e formalmente instituídos pelo órgão da administração da polícia judiciária, seja por órgão da administração superior ou correcional da Polícia Civil do respectivo estado e da polícia judiciária federal, pela União.

    Insta salientar que, para não haver direcionamento da distribuição de notitia criminis a ensejar direcionamento de investigação criminal, lembramos a lição de Fábio Gomes, no escólio de Hélio Tornaghi[13], aplicáveis analogicamente:

    “(….) a alternatividade da distribuição não preestabelece a regra da sucessão, nada impedindo o sorteio, desde que cada juízo sorteado não volte a concorrer com os demais, senão depois de esgotado o número total, revelando tal critério mais eficiência para evitar a fraude, na medida em que o distribuidor não pode aguardar a vez de determinado juízo para nele encaixar o processo”.

    Entender a investigação criminal como um procedimento ou processo administrativo de viés democrático é adotar elementos de conectividade democrática, que corresponde à ideologia ínsita a órgãos eminentemente republicanos, muito além dos cânones que hoje entendemos sobre o sistema acusatório, pois vai muito mais além do que isso, conforme asseverou Rui Cunha Martins em seu artigo “O Mapeamento Processual da Verdade”[14]:

    “o sistema processual de inspiração democrático-constitucional só pode conceber um e um só ‘princípio unificador’: a democraticidade; tal como só pode conceder um e um só modelo sistémico: o modelo democrático. Dizer ‘democrático’ é dizer contrário de ‘inquisitivo’, é dizer contrário de ‘misto’ e é dizer mais do que ‘acusatório’”.

    A conotação meramente formal de que a investigação não seja “processo” não pode ser um óbice à caracterização de um procedimento de ideologia democrática, em razão da máxima efetividade da dignidade da pessoa humana. A interpretação literal do artigo 5º, LV da CR/88 já passou da hora de ser superada.

    Atento ao ideal democrático, os professores Nestor Távora, advogado, e Rosmar Rodrigues Alencar, juiz federal, asseveram que:

    “Corolário do princípio do delegado natural é a imposição de limites à remoção da autoridade policial, que só poderá ocorrer por ato fundamentado (parágrafo 5º, do artigo 2º, da Lei 12.830/2013). O artigo 3º, por outro prisma, dá realce a esse princípio e à característica de bacharel em Direito, devendo-lhe ser dispensado o mesmo tratamento protocolar que recebem os magistrados, os membros da Defensoria Pública e do Ministério Público e os advogados”.

    Não restam dúvidas, portanto, que no âmbito interno, por meio da doutrina, e na seara internacional, o princípio do delegado de polícia natural consagrado na Lei 12.830/13, além de efetivar uma garantia constitucional de imparcialidade e independência funcional do Estado-investigação, norma, portanto, materialmente constitucional, representa, no âmbito internacional, nos moldes do artigo 4º, II da CR/88, norma materialmente convencional, diante dos ditames do órgão máximo de interpretação da Convenção Americana de Direitos Humanos, a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

    Tal garantia, por ser uma conquista fundamental do modelo político atual, pós transição de um sistema autoritário para o democrático, não poderá nem sequer ser revogada, porquanto representaria, nesse condão, um verdadeiro retrocesso social, vedado pela doutrina mais balizada do Direito pátrio pós-positivista.

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