COLUNA DO SARNEY: Tenha cuidado com o cartaz

Estamos tendo uma eleição sob a regulamentação de uma nova lei. Esta lei bastante discutida teve – e agora tem – o objetivo de conter o poder econômico nas eleições, proibindo a doação de empresas privadas, limitando o tempo de campanha a 45 dias, encurtando prazos para as muitas exigências legais, registro, campanha, julgamento de recursos, tudo para diminuir gastos eleitorais. Vamos ver se as coisas vão acontecer conforme o objetivo dos legisladores. A notícia é que estamos tendo uma campanha fria, sem a paixão de outros pleitos.

A verdade é que, na história do Brasil, sempre foi uma constante a busca de reformar as leis eleitorais para acabar com as mazelas que cada eleição apontava. Já atravessamos o tempo do combate às fraudes, do bico de pena, da eleição a cacete – como era no Império, criando um paladino de reformas, encarnado no conselheiro Saraiva, tido como entendido em matéria eleitoral. Em 1881 tivemos então a Lei Saraiva, que era esperada há muitos anos pela classe política. Não foi um sucesso e muitos furos deixaram margem a fraudes. O desembargador Trayahu Moreira, que era do Brejo, contava que sua cidade fora citada na Câmara dos Comuns da Inglaterra como exemplo de que as eleições diretas eram vulneráveis, e tinham burlado a Lei Saraiva, que implantava esse sistema.

Eu mesmo, na minha longa vida política, assisti à votação de dezenas de leis eleitorais – e nenhuma funcionou. Dessas a grande batalha foi pela cédula oficial, substituindo as cédulas particulares distribuídas pelos partidos. Com a minha experiência, quando presidente da República chamei o ministro Néri da Silveira ao Palácio do Planalto e propus a informatização das eleições, começando pelo título eleitoral, trilhando assim o longo caminho da urna eletrônica, que possibilitou eleições legítimas, sem fraudes e de apuração rápida. Hoje somos exemplo para o mundo. Ele veio ao Maranhão e no TRE entregou-me o primeiro título eleitoral emitido por esse sistema.

Agora é a vez de baratear eleições e evitar abuso do poder econômico. Resta conter a influência e os gastos dos governos com seus candidatos.

Tenho recebido queixas de que até mandar fazer cartazes tem sido difícil, com os pequenos tetos para os gastos nesta eleição. Ora, o cartaz era o instrumento mais visível das eleições: colar cartazes, rasgar cartazes era uma saga que ensejava brigas imensas entre candidatos e partidos. Eu tive um grande amigo e chefe político de Araioses, junto com Leônidas Quaresma, Sebastião Furtado, que desvendava nos cartazes com a cara dos candidatos suas possiblidades eleitorais. Assim, uma vez, levei os cartazes do brigadeiro Cunha Machado, nosso candidato a governador. Fiz uma grande apologia de suas qualidades e das possibilidades de nossa vitória, pedindo seu engajamento na campanha. Ele me disse: “Deixe eu ver o cartaz dele.” Eu mostrei. Sebastião olhou aquele cartaz bonito e disse-me: “Olhe, deputado Sarney, com essa cara não ganha não. Tem os olhos com jeito de ervado (!).” Eu respondi: “Não, Sebastião, olhe bem que a vitória está em seu rosto.” Ele me disse: “Deputado, com minha longa vida política eu conheço candidato que ganha pelo cartaz.” Eu não esqueci e sempre tomei cuidado com meus cartazes!

Bem, com as eleições está vindo a festa do nosso padroeiro, São José de Ribamar: que ele proteja nosso Maranhão e evite essa tragédia que também leio: temos 22 assassinatos por semana. Homicídios brutais.

Valei-me mãe das almas!, como as rezadeiras cantam nas incelências de defuntos do interior.

José Sarney

COLUNA DO SARNEY: A hora e a vez dos vices

Por José Sarney

Mais uma vez na história do Brasil um vice-presidente assume a Presidência da República. Quem abriu a contagem foi o marechal Floriano Peixoto, que se desentendeu com o marechal Deodoro da Fonseca, provocando uma séria divisão nas Forças Aramadas, responsáveis pela derrubada do Império e pela implantação do regime republicano. Essa briga foi alimentada também com a divergência entre o presidente da República e o presidente da Câmara dos Deputados, Prudente de Morais. Deodoro era um homem colérico, de rompantes, e disso beneficiaram-se os republicanos. Ele fechou a Câmara, depois teve de reabri-la, mas renunciou à Presidência. Ficou tão indignado com seus colegas que mandou colocar o seu uniforme numa lata, soldá-la e jogar no mar, determinando que fosse enterrado com roupa civil.

Floriano foi o Marechal de Ferro, governou com dureza, mas atribui-se a ele ter consolidado a República.

O segundo foi Nilo Peçanha, que completou o mandato de Afonso Pena. Nilo Peçanha era um grande chefe político do Estado do Rio, hábil e de bom temperamento, mas excessivamente atraído pela politicagem provinciana que o levou a fazer sucessivas intervenções nos estados.

O terceiro foi Delfim Moreira, que substituiu Rodrigues Alves, vítima da gripe espanhola. Mas não teve tempo de governar muito. Tinha como regente – era o que se dizia – Afrânio de Melo Franco, grande expressão da política mineira. Delfim Moreira não teve como governar. Já estava vitimado por doença mental que o impedia de exercer o cargo. Foi eleito para sucedê-lo Artur Bernardes, que tinha como vice o nosso grande conterrâneo Urbano Santos da Costa Araújo.

O quarto foi Café Filho, vice de Getúlio Vargas que, com o suicídio deste, assumiu a Presidência. Também, na onda de instabilidade da política brasileira, foi deposto pelas Forças Armadas, comprometidas com Juscelino, que fora eleito em 1955 – Café era acusado de estar envolvido numa conspiração para não dar posse a Juscelino Kubitschek.

O quinto foi Jango, João Goulart, que assumiu na renúncia de Jânio Quadros. Fez um governo conturbado. Sua posse foi difícil e para ser aceito como presidente engoliu um transitório e capenga regime parlamentarista.

Anote-se também que tivemos um vice que foi impedido de tomar posse pelas Forças Armadas, Pedro Aleixo, que devia substituir Costa e Silva.

O sexto fui eu, com a morte de Tancredo. Só eu sei o que é um vice assumir sem saber nada sobre os programas do presidente que se foi e cercado sempre por insegurança e crises.

O sétimo foi Itamar Franco, no impeachment de Fernando Collor. Era um homem sério, correto, que teve a oportunidade de fazer o Plano Real – seguindo o caminho aberto pelo Cruzado – e derrubar a inflação.

O oitavo vice é agora o Michel Temer. Penso o que deve estar na sua cabeça, mas os problemas que herda são quase insolúveis e precisam de longo prazo para serem resolvidos. Somos todos testemunhas destes tempos difíceis e das incertezas que existem. Porém ele é um homem experiente, sensato e com domínio da arte da política.

Mas relacionei todos estes fatos para dizer que agora ficou provada e testada nossa democracia, nossas instituições, que funcionaram na harmonia constitucional, com ampla liberdade, o povo tendo uma participação efetiva. O comportamento das Forças Armadas foi impecável, assegurando a sustentação das instituições.

Fico feliz pelo que me toca, pois fui o responsável pela transição democrática, assegurando a realização de uma Assembleia Constituinte e a promulgação de uma nova Constituição, que assegurou direitos sociais e mostrou-se capaz de colocar-nos entre as grandes democracias do mundo.

COLUNA DO SARNEY: São Luís, Ilha do Amor

Essa expressão de “São Luís, Ilha do Amor” é recente. Nasceu há alguns anos, criada por algum medíocre marqueteiro, naturalmente para incentivar o turismo. Um pouco como o meu saudoso amigo Moacyr Neves, quando disse que seu hotel era “Casa da Fertilidade” e que todo casal que ali se hospedasse em lua de mel podia esperar receber em nove meses o primeiro membro da nova família. E, assim, Ilha do Amor devia ser o Hotel do Amor do Moacyr.

Quanto a “São Luís, Atenas Brasileira”, foi realmente a constatação da existência de tantos nomes ilustres — poetas, ensaístas, historiadores — entre nós. Foi a época de ouro da cidade, que passou a ser conhecida no Brasil pela veneração à Deusa da Cultura, e quem assim chamou-a não fomos nós, mas os grandes escritores do Brasil. O primeiro que me lembro de ter assim nos designado foi Capistrano de Abreu, que, não satisfeito desse elogio, ele que era historiador, acrescentava que João Lisboa era quem melhor escrevia História no Brasil.

Quando a Academia Brasileira de Letras foi fundada havia, na composição do seu quadro, entre patronos e fundadores, doze maranhenses.

Em meados do século passado Amaral Raposo, jornalista brilhante e de excelente humor, parodiava que estávamos nos tornando em “apenas” brasileira. Depois, numa expressão mais recente que “Ilha do Amor”, passamos de ser a Atenas para ser a Jamaica brasileira, e se dizia isso com muito orgulho.

Outro dia um amigo meu veio comentar comigo que atravessávamos um período de vacas magras nas letras e nas artes. Eu contestei. Nunca se publicou tanto no Maranhão quanto agora. Acontece é que houve um deslocamento dos núcleos culturais. Atualmente a troca de estudantes e a emigração de maranhenses para fazer mestrado fora do Estado fizeram com que as universidades se apropriassem do movimento cultural, e livros e teses têm saído, algumas de alto valor, abordando uma gama ampla de assuntos que enriquecem nossa bibliografia e servem de precioso subsídio para os leitores maranhenses.

Por outro lado, o Instituto Geia tem feito um trabalho admirável com uma coleção valiosa que hoje já dispõe de mais de trinta títulos, com livros de extrema utilidade. Basta citar dois: “A História da Música no Maranhão”, em três volumes, com partituras e o extraordinário e admirável acervo recolhido pelo Padre Mohana; o outro é a coleção de gravuras de Arthur Azevedo que representa um repositório de obras de arte da maior importância. Algumas gravuras só existem ali. É um valioso documentário que vai despertar pesquisas nacionais e estrangeiras.

Assim, São Luís continua sendo Ilha do Amor, Atenas Brasileira, Apenas Brasileira, Jamaica Brasileira. E, nessa diversidade, o que São Luís e o Maranhão são — e em grau divino — é nossa devoção: saudades dos tempos que passaram e dos gloriosos momentos do futuro.

Publicada na edição de hoje do jornal O Estado do Maranhão

COLUNA DO SARNEY: De profetas e profecias

O maior desejo da mente humana é saber o futuro. Desvendar o desconhecido. José do Egito foi o mais consagrado e bem remunerado de todos os videntes. Recebeu recompensas do faraó que fizeram história quando esclareceu o simbolismo das sete vacas gordas e sete magras. Mas… ele não era bem um vidente; era, no relato bíblico, um decifrador de sonhos. Sabe-se, também pelo livro do Gênesis, que essa capacidade de interpretar sonhos faz viver muito. José morreu com 110 anos.

Ser profeta já é outra coisa. Não é um saber o futuro, mas oferecer fábulas capazes de interpretar o futuro. Também é uma arte que tem suas restrições. Uma delas, a primeira de todas, Cristo ensinou: “Ninguém pode ser profeta em sua terra”, sempre deve ser na terra dos outros.

As cassandras são de outra natureza. São profetisas privadas de credibilidade. Ninguém leva a sério, mesmo profetizando desgraças. A fundadora dessa escola que tem seu nome, Cassandra, personagem mitológica, recebeu de Apolo o dom da profecia. Mas, porque lhe negou partilhar de suas intimidades, recebeu, de vingança, não ter credibilidade. Sua mãe, Hécuba, era de grande fertilidade – teve mais de 50 filhos -, e seu pai, Príamo, um velho que não teve forças para lutar por Tróia.

Os astros também podem ajudar nas previsões do futuro. O meu querido amigo e brilhante jornalista Getúlio Bittencourt, nos idos de 85, deu-se ao trabalho de estudar a data e a hora do meu nascimento para fazer o meu mapa astral. Aí, então, eu vi quanta complicação cósmica está envolvida no mistério do nascimento das pessoas. Uma das observações do seu trabalho foi o que pode ocorrer comigo na influência do “Sol trígono Netuno”, em que ele encontrou tendências de minha personalidade: “O senhor é muito criativo, mas tende a refugiar-se em sonhar acordado quando enfrenta problemas. Nada existe de errado em sonhos, mas eles podem ser muito destrutivos quando confundidos com a realidade. Será particularmente útil continuar a escrever ou a pintar na menor brecha que lhe derem. O motivo é simples. A sua imaginação não se esgota na prática da política. Se o senhor conseguir um espaço concreto para ela, seja numa tela, seja numa folha de papel, é mais provável que sua mente possa se concentrar com clareza nos temas reais.” Aprendi também que o “mapa natal” se chama “Rosa dos Ventos”.

Muito em moda, e com grande charme em certo tempo, é a profecia com ares de precisão científica. Por um tempo era comum economistas, matemáticos e físicos virarem profetas e fazerem, mais do que previsões, profecias: “A Terra vai resfriar-se daqui a um bilhão de anos…” A águia americana vai pousar no colo de Greenspan com patas de 4% com a economia mundial em crescimento.”

Mas a profecia mais impossível que vi nesta área, há algum tempo, foi a de que a Amazônia vai acabar em 20 anos! É de um americano, e ficamos em dúvida se é desejo ou ameaça.

De qualquer modo, estejamos tranqüilos, porque, hoje, não é só de médicos, mas também é de profetas e loucos que todos temos um pouco.

COLUNA DO SARNEY: Urubus, tatus e papagaios

A crise soviética dos anos 90 adiou uma reflexão grave que me ocorreu sobre o tatu e a pauta de exportação. O estalo aconteceu quando li o artigo do Otto Lara, denunciando a extinção do tatu-canastra em Minas Gerais. É trágica a quantidade de coisas que estão em extinção no Brasil, mas a do tatu é catástrofe nacional. É a perda de importante elo cultural. O tatu é o símbolo do que temos de mais forte, o fraco Jeca Tatu, consagrado pelo Monteiro Lobato, expressão da pobreza miserável, agora chamada pelos economistas de absoluta.

Otto revela que já exportamos tatus e até urubu. Eu acrescento papagaios e macacos. Nossos primeiros cronistas ficaram fascinados com o tatu. Abbeville, d’Évreux, etc.

Frei Cristóvão de Lisboa, em sua História dos animais, aves e plantas, tem um dos primeiros e belos desenhos do tatu, esnobado, com o nome em francês Tatou, gravura que escapou do incêndio do terremoto de Lisboa em 1755, porque estava com o gravador e não no Convento dos Capuchinhos.

Eles anotaram os hábitos desse bicho: só anda de noite, refugia-se em buracos. Alexandre Rodrigues Ferreira, na sua Viagem filosófica nas capitanias do Grão-Pará, relaciona três tipos: o etê, tatu verdadeiro, o peba e o tatuapara, isto é, o tatu-bola, assim chamado porque fica com essa forma para dormir ou fugir de perseguição, observando cuidadoso que “tem pênis proeminente, carne branca e saborosa”. É animal ligeiro e, entrando no buraco, mesmo agarrado pelo rabo, não sai. “O único jeito é enfiar corajosamente o dedo no suspiro.” Ele perde as forças, envergonhado. É o relato de Odylo Costa, filho, citando Blaise Cendrars, estudioso desses hábitos.

Eu ainda vi, nas feiras do Nordeste, tatu orelhado. Era o tatu vivo, caçado para ser vendido, as orelhas furadas e cruzadas na testa, não lhe permitindo visão. Prato de domingo, com leite de babaçu, partilhado com visitas. Menino não tinha direito. Era sem dúvida o bola ou o galinha, já que o peba tinha cheiro ruim, comia defunto.

Vamos ao urubu. Este, coitado, também está em extinção. Seu sistema digestivo foi feito para comer bicho podre e não para respirar ar pobre, pois não há uma coisa que todo bicho tem: septo. Hoje, exportado para a Europa, morreria, pois o ar, ali, poluído, está matando até urubu. Por outro lado, os bichos que morrem já não servem para urubu. Têm produtos químicos, pesticidas, e seu estômago, feito por Deus para resistir a bactérias, a estas desgraças não resistem. A coisa está preta até para urubu.

O Barão de Blanchard, em 1531, reclamou que os portugueses tinham tomado seu navio, o Pelèrine, e roubado sua carga preciosa. Qual era? Quarenta mil toras de pau-brasil, três mil peles de onça, algodão, óleos e 600 papagaios, sachant déjà quelques mots de français. Falando já algumas palavras de francês! Cada um, 3.600 ducados! Mais caros que as outras mercadorias!

É, agora, tudo em extinção. E não podemos recorrer nem aos tatus, aos papagaios e aos urubus.