COLUNA DO SARNEY: Ainda as invasões bárbaras

Esta semana foi marcada, mais uma vez, pela tragédia dos emigrantes. Na Áustria, já fora das portas de entrada, descobre-se um caminhão de transporte de frangos carregado com 71 corpos – quatro de crianças – em decomposição. No Mar Mediterrâneo, 52 corpos foram encontrados no casco de um barco, e mais de 105 refugiados morreram afogados. Isso é a rotina do que acontece o tempo todo, a ponta que emerge dos desastres humanitários. Este ano mais de 340 mil pessoas tentaram chegar à Europa; mais de 15 mil morreram tentando! Só da Síria saíram mais de 4 milhões de refugiados.

Há uma neurose nova: a invasão dos bárbaros. Não é mais aquele temor que no passado acometia as cidades-Estado, a confrontação dos impérios com as hordas desconhecidas que avançavam para o saque e a destruição. Não são os hunos nem os turcos nem os mongóis: são os emigrantes, fugitivos da miséria, desejosos de melhor futuro, dispostos a tudo, enfrentar polícias, leis de restrição à imigração, hostilidade. Obtendo sucesso em sua aventura, começam a outra, a da sobrevivência, enchendo as ruas como pedintes, vendendo quinquilharias e ilusões, correndo do cassetete dos vigilantes, segregados e vilipendiados pelos nacionais.

A Europa está ferida por essa nova face das migrações humanas. O que fazer? O mundo ficou pequeno, e aspirar à paz e a sair da miséria está apenas na coragem da travessia e de abandonar as próprias raízes. Deixam famílias, amigos, pátrias e vêm sofrer as humilhações das minorias.

Na Inglaterra, a ideia é evitar que passem da entrada do túnel sob o Canal da Mancha. Na Alemanha surge uma perspectiva cínica e utilitária: como a sua população está decrescendo, vão aproveitar os imigrantes que tenham capacidade para ser a mão de obra que a indústria precisa para manter o nível das exportações, como mais um insumo. Na Hungria, decidem fazer um muro ao longo da fronteira “pobre”. Em toda a União Europeia se repetem as acusações de que os outros estão fugindo a suas responsabilidades.

A reação dos países ricos ao que chamam de “o perigo da emigração” está no terreno da fobia, cuja matriz é a discriminação racial, numa era em que o conhecimento do genoma humano permite identificar os troncos dos diversos grupos que formam a humanidade e que, no desejo de sobrevivência, também migraram em correntes que se dispersaram em busca de comida e de segurança e fugindo dos desastres climáticos.

A globalização econômica é incompatível com a globalização das raças. Aquela quer um mundo de ricos e faz com que os outros se afastem e fiquem presos à guerra, à miséria, ao desemprego e à fome.

Felizmente o Brasil já venceu o gargalo da segregação racial – embora ainda conviva com muito preconceito. Embora com problemas logísticos, acolhemos nossa cota de imigrantes, a maior parte haitianos. Temos uma sociedade democrática, fora das superioridades (?) étnicas.

Nossas discriminações são outras: a maior de todas é a da concentração de renda, que gera problemas sociais. Esses, sim, nos separam, o que é uma coisa bárbara, mas sem a fobia de bárbaros.

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