Praça dos Poetas ‘esquece’ Nascimento Morais e ‘muda’ Maria Firmina dos Reis

NASCIMENTO MORAIS FILHO E SUA IMPORTÂNCIA PARA A CULTURA MARANHENSE: OMISSÃO OU IGNORÂNCIA?

Por Natércia Moraes Garrido*

Recentemente foi inaugurado um belíssimo espaço na cidade de São Luís em razão de seu aniversário de 408 anos: a Praça dos Poetas, situada na esquina da Av. Pedro II com a famosa rua Montanha Russa (ou R. Newton Bello). A obra foi entregue pelo Governo do Estado do Maranhão com recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID e o PAC Cidades Históricas, do Governo Federal/IPHAN (fonte do site da Secretaria de Cultura), e a ação faz parte do Programa Nosso Centro, que por sua vez integra toda uma ideia de revitalização do nosso Centro Histórico, e nós sabemos o quanto precisamos de ações desse tipo, abrindo mais espaços públicos que exaltem nossa cultura.

A praça homenageia 10 grandes poetas da Literatura Maranhense, que alcançaram reconhecimento dentro e fora de nosso Estado e que pertenceram a épocas distintas: Ferreira Gullar, Catulo da Paixão Cearense, Nauro Machado, Sousândrade, Bandeira Tribuzzi, José Chagas, Gonçalves Dias, Maria Firmina dos Reis, Dagmar Desterro e Lucy Teixeira. Como crítica literária e pesquisadora, questiono porém dois fatos: 1) qual a razão do poeta Nascimento Morais Filho ter sido excluído desse rol? 2) por que usou-se uma imagem de Maria Firmina dos Reis diferente daquela que se encontra forjada em busto na Praça do Pantheon?

Omissão ou ignorância, pergunto-me eu, no auge do século XXI? Não conheço as respostas para as perguntas que fiz, mas apresento fatos, então vamos a eles. Não há como desvincular o nome do poeta e pesquisador Nascimento Morais Filho da história do Maranhão. Ponto. Simples assim. Ele foi um homem que doou seu tempo e recursos pessoais à pesquisa e resgate de importantes nomes das nossas letras, a exemplo de Maria Firmina dos Reis e Estevão Rafael de Carvalho; sem suas pesquisas, viagens ao interior do Maranhão, esforços coletivos e infinitas coletas e análises de textos e documentos primários dentro da própria biblioteca pública Benedito Leite nada do que se sabe hoje sobre Maria Firmina dos Reis seria possível ou sequer imaginado. Muitos e vários pesquisadores desta autora recorreram a ele na década de 1980; eu vi isso, era uma menina e já entendia a importância que um homem como Morais Filho tinha para o estado do Maranhão. 

Seu livro-pesquisa “Maria Firmina – Fragmentos de uma vida” (1975), lançado à época em grande estilo, financiado pelo então governo Nunes Freire, envolveu muitos e grandes esforços. Não, eu não tinha nascido ainda para testemunhar isso mas existem fotos e documentos em jornais que atestam tudo isso, o que torna os fatos e atos públicos e notórios. No entanto, o que me chama a atenção é a tentativa de alguns pesquisadores atuais de renegar a grande pesquisa elaborada por Morais Filho e consequentemente a imagem do busto de Maria Firmina, a qual foi reconstituída por meio de relatos orais dos filhos de criação da autora (d. Nhazinha Goulart e sr. Leude Guimarães) e de outros remanescentes vimarenses que conviveram com a Mestra Régia. Eles conversaram com Morais Filho e deram liberdade ao escultor Flory Gama para que concebesse sua criação. E todo esse processo consta no livro, do qual extraio esse trecho: 

“Nenhum retrato deixou Maria Firmina dos Reis. Mas estão acordes os traços desse retrato falado dos que a conheceram ao andar pelas casas dos 85 anos: rosto arredondado, cabelo crespo, grisalho, fino, curto, amarrado na altura da nuca; olhos castanhos escuros, nariz curto e grosso, lábios finos, mãos e pés pequenos, altura 1,58m (mais ou menos), morena.” (MORAIS FILHO, 1975, p.226).

Deduzo então, que alguns pesquisadores atuais estão reconstituindo a imagem de Maria Firmina dos Reis também via relatos orais; daí a atual imagem também ser fruto de novas interpretações e concepções. A diferença é que Morais Filho, em 1970, falou com pessoas que de FATO conviveram com a autora. Pela lógica, não deveria então sua pesquisa ser mais considerada? Não existe nenhuma pesquisa sobre Maria Firmina dos Reis atual séria que não tenha como base e referência o livro “Maria Firmina – Fragmentos de uma vida” (1975), disponível na biblioteca pública Benedito Leite ou perdido nas prateleiras de algum sebo ao redor do país. Nenhuma pesquisa surge do nada e no momento é bem difícil “reinventar a roda”. É muito fácil acusar, questionar, renegar e desautorizar alguém, principalmente um grande pesquisador, após sua morte. A única intenção de Morais Filho com uma pesquisa que demandou 10 anos de sua vida converge com o homem ético que ele era: fazer com que os maranhenses não esqueçam de seus filhos ilustres, principalmente no caso de Maria Firmina dos Reis, que era mulher e negra, portanto facilmente excluída do rol de reconhecimento canônico. 

Quanto à exclusão ou omissão de Nascimento Morais Filho enquanto poeta no espaço da Praça dos Poetas, questiono: por que não incluíram ao menos um poema de seu livro “Azulejos”, que fala sobre infância, sonhos, brincadeiras de rua, costumes maranhenses, família, sobrados e azulejos, tudo isso no nosso tão peculiar linguajar?

“ah! se eu fosse seu josé!…/ se eu fosse seu josé,/ não vendia o camarão…e nem os bombons / que ele tem lá na quitanda dele!… / eu comia era tudinho!…”

Ou um poema que exalte a liberdade e a luta do povo, algo tão subestimado nos dias de hoje:

“Poetas, meus irmãos, acompanhai meu grito! / Eu sou o sofrimento dos sem nome! Eu sou a voz dos oprimidos! / […] Eu prego a rebeldia estoica dos heróis / e o Evangelho – a Liberdade!” (do poema “Evocação”, 1955)

É papel da Crítica Literária pesquisar e resgatar nomes e obras, enquanto lê e estabelece novos parâmetros de julgamento. A função do crítico literário não é fazer exatamente novas e grandiosas descobertas, em especial eu nem tenho toda essa vaidade. Mas, para além de tudo isso e vivendo num país e Estado em que nossa memória é tão fraca e pouco cultivada, faz-se mais do que necessário, urge mesmo que o crítico literário e aqueles que realmente se importam com a Literatura (com letra maiúscula mesmo, porque aqui não tem achismo) resgatem continuamente tudo o que NÃO se é dito ou escrito para que, pelo menos a geração atual (a minha) e a futura não se torne omissa ou ignorante. É preciso celebrar MAIS os filhos desta terra, aqueles que ficaram, lutaram e produziram de fato. Por isso defendo o amplo legado de Nascimento Morais Filho.

*Crítica literária, professora universitária e Doutoranda em Literatura e Crítica Literária pela PUC-SP. Autora do livro “A poética modernista em Azulejos de Nascimento Morais Filho.” (Goiânia: Ed. Espaço Acadêmico, 2019).

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