Demurrage: um fato jurídico e o horizonte de oportunidades

Anna Graziella Santana Neiva Costa1
Mariana Costa Heluy2

Em 21 de maio de 2019, a 4ª Câmara Cível do Tribunal Justiça do Estado do Maranhão, composta pelos desembargadores Paulo Velten (presidente) e Jaime Ferreira, seguindo voto do Relator, Des. Marcelino Everton, singrou mar da incerteza, descortinou horizonte de dúvida e trouxe fundamentos jurídicos sólidos em julgamento inédito.

A temática? Demurrage de contêiner. Em linhas gerais, o termo é utilizado para denominar a cobrança pelo uso além do período de tempo acordado (laytime), gerando custos ao remetente ou destinatário para além das despesas ordinárias como contêiner yard, taxas portuárias e de cais, frete marítimo. Simplificadamente, trata de posse que viola cláusula contratual de transporte assentada no binômio “estadia permitida x estadia real” originando a máxima “once on demurrage, always on demurrage”.

Considerada a temática mais contenciosa do âmbito do transporte marítimo, o acréscimo dos imbróglios envolvendo sobreestadia de contêineres é fruto da expansão de citada modalidade na logística de transportes, associada a problemas relativos ao desembaraço aduaneiro, infraestrutura logística deficitária, gargalos portuários. Com efeito, este cenário de atrito e gestão claudicante possuem o condão – em virtude do expressivo valor dos gastos com sobreestadia – de afetar a lucratividade e a competitividade de empresas brasileiras, em especial quando das discussões avançam pelos tribunais brasileiros com o escopo de dirimir perdas.

Muito embora este tipo de ocorrência tenha se tornado usual no modal marítimo, os consectários jurídicos deste instituto ainda geram controvérsias e insegurança jurídica, por não existir pacificação doutrinária e jurisprudencial acerca da natureza jurídica do instituto e a extensão da aplicação das normas em relação aos contêineres de transporte.

As altercações instigadas pelos estudiosos da área adentram para além-mar e fomentam indagações variadas, a exemplo: seria o contêiner pacote/caixa, parte do navio ou meio de transporte? Definida a linha conceitual, a demurrage seguiria regime jurídico autônomo e acessório ou autônomo e independente? Estar-se-ia diante de uma cláusula penal ou indenizatória?

Ao nosso intuir, conceituação mais apropriada seria considerar o contêiner como meio de transporte e, portanto, independente do navio ou da carga. A operação de transporte seria distinta da operação de fornecimento de contêiner por envolver diferentes funções, metas, objetivos, assim como díspares são a geração de direitos, obrigações e responsabilidades, exigindo termos e enquadramentos jurídicos próprios.

Quanto ao regime jurídico, a despeito de restar demonstrado serem instrumentos distintos, não há dúvidas quanto a perfeita simbiose e interdependência dos contratos de fornecimento de contêiner e de transporte. A abordagem que trata como autônomo e acessório oferece soluções mais concretas, eis que os termos específicos para suprimento de contêiner poderão ser aplicáveis quando (i) estes não entram em conflito com os termos de transporte, (ii) as condições de transporte não preveem qualquer solução, ou (iii) quando o contrato de transporte é inaplicável ao caso concreto. Logo, as decisões tomadas em relação ao fornecimento de contêiner têm impacto mais dilatado sobre motes ligados ao transporte.

Ademais, é visível que quando as partes pactuam montante indenizatório em contrato, esta estipulação nada mais é que uma cláusula penal cujo escopo é o de tangenciar dificuldades da liquidação das perdas e danos prefixando, de logo, no instrumento acordado, hipóteses e limites quantitativos, possíveis agravantes, atenuantes e exceções de responsabilidade.

O cenário de ebulição conceitual e finalística, conexo a redação de contratos imperfeitos, que deixam de delimitar com precisão o que é lei entre as partes, desaguam nos mares revoltos dos Tribunais brasileiros. No Maranhão, ante a timidez do setor no âmbito do Porto do Itaqui que, segundo dados da EMAP, movimentou no ano de 2018 singelos 12 TEUs e em 2017 nenhum, tais debates jurídicos são embrionários.

Ao realizar busca pela jurisprudência do TJMA, constatou-se que, muito embora estejamos diante de setor portuário tão imponente – para não dizer um dos mais importantes do país–, a temática não é trivial. Contudo, verifica-se que mesmo com os escassos julgados já proferidos na seara marítima, estes seguem a toada dos entendimentos majoritários dos demais tribunais nacionais ao considerar a cobrança de demurrage legal, ressalvando as hipóteses de valores abusivos ou imputação do pagamento da sobreestadia ao despachante aduaneiro.

Questiona-se a razão pela qual o Itaqui, com sua destacada localização geográfica e sendo o maior porto público do Brasil em profundidade apto, portanto, a receber navios cargueiros, não está inserido na rota dos contêineres? A resposta, talvez, resida na tese do equilíbrio entre carregamento e descarregamento da embarcação. Dever-se-ia, então, fomentar a exportação de produtos nacionais pelo Porto do Itaqui, evitando-se o “frete morto” (dead freight), tornando a operação de contêiner economicamente viável e, consequentemente, atrativa.

Em tempo, destaca-se que, historicamente, duas cadeias concentram o volume de cargas movimentadas pelo Brasil: produção de grãos – (exportação de soja e milho) – minérios de ferro, produtos petrolíferos (importação de diesel e gasolina). Neste contexto, o Porto do Itaqui é versado como “porto especializado”, vocacionado para movimentação de granéis sólidos e líquidos, destacando-se soja e milho (em virtude do investimento no Terminal de Grãos do Maranhão – TEGRAM) e celulose, assim como movimentação de fertilizantes e combustíveis.

Considerando a vocação maranhense na produção de soja e milho, quiçá fosse viável, como saída imediata para implementação de rota de contêineres, que o Itaqui operasse tal como fez o Porto do Rio Grande, usando o contêiner também como meio de transporte da soja voltado para pequenos importadores e exportadores, com custo reduzido de frete marítimo e mais agilidade no envio.

Agita-se a perspectiva para desenhar o panorama da exportação sob medida, que atende ao mercado, alcança novos elos da cadeia produtiva, contorna deficiências estruturais, agilizando o escoamento da produção. E, por outra via, acende ambiente para o Porto Itaqui avançar na configuração de um porto multifuncional, apto a engrenar nas rotas de comércio dos que buscam economia de escala no transporte marítimo, aliada à redução dos custos dos produtos transportados.

Em tempo, há que se registrar rumores de que a realidade no Porto do Itaqui pode mudar. Perspectivas de retomar linhas regulares de contêineres – suspensas desde 2016 –, são ventiladas. Caso concretizadas serão, sem dúvidas, festejadas pelo mercado e por maritimistas.

Se o mundo pertence a quem se atreve, como dizia Charlie Chaplin…

1 Advogada, Pós-Graduada em Direito Constitucional e em Ciência Jurídico-Políticas; MBA em Direito Tributário; Pós-Graduanda em Direito Eleitoral; Mestranda em Ciências Jurídico-Políticas. E-mail: [email protected]

2 Advogada, Especialista em Gestão do Transporte Marítimo e Portos. E-mail: [email protected]

Maranhão em números concretos

adrianoÉ hora de discutir os rumos da economia do Maranhão. O governo estadual está completando seu primeiro exercício fiscal e as estatísticas sociais e econômicas não são muito otimistas. Por isto é necessário analisar os números oficiais da economia do Maranhão e das finanças do governo afim de não cairmos na armadilha do marketing político. Apesar de o governo estadual possuir um saldo de caixa positivo de R$ 1,663 bilhão, o Maranhão vive um cenário de baixo investimento estatal comprovado, desemprego, fechamento de empresas e queda estimada de 2% do Produto Interno Bruto (PIB), fatores relevantes na composição do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

No que diz respeito aos investimentos públicos, impulsionador histórico do crescimento econômico e da geração de empregos, a atual gestão reduziu em mais de R$ 1 bilhão o valor despendido nesse quesito. Enquanto o governo passado investiu R$1,680 bilhão no período de janeiro a julho de 2014, o governo atual aplicou R$ 552 milhões durante o mesmo período deste ano. Uma diferença espantosa de R$ 1,128 bilhão que serviu para engordar o caixa do governo e para pagar o aumento da despesa com pessoal. Essa despesa corrente com pessoal que foi de R$ 3.164 bilhão de janeiro a julho de 2014 passou para R$3.592 bilhão no mesmo período de 2015, um aumento de R$ 428 milhões.

Seguindo os números recentes da economia do Maranhão, vale analisar os dados divulgados pelo Instituto Maranhense de Estudos Socioeconômicos e Cartográficos (Imesc) que é vinculado à Secretaria de Planejamento estadual (Seplan), onde o nosso Estado se defronta com uma queda estatística de 5.633 vagas de empregos até agosto de 2015. Resultado este denotado diretamente ao fechamento recorde de empresas, à crise em setores importantes da economia, como o imobiliário e o metalúrgico, e ao vazio de políticas anticíclicas como os investimentos públicos. De janeiro a setembro de 2015, 6.468 empresas tiveram suas atividades encerradas contra 738 firmas fechadas no ano de 2014 segundo dados divulgados pela Confederação do Comércio, que destacou ainda o ano de 2015 como o pior resultado desde 2008. Outro ponto que se deve destacar diz respeito ao Índice de Confiança do Empresário Industrial (ICEI) calculado pela Federação das Indústrias do Estado do Maranhão (Fiema), que evidencia elevado pessimismo dos empresários na economia estadual, sinal de que a crise está longe do fim.

Não obstante o empresariado se mostrar insatisfeito com os rumos da economia, ao mesmo tempo em que o número de desempregados aumenta, um quadro contraditório se revela quanto a cobrança de impostos por parte do governo. Segundo dados oficiais apresentados por técnicos da Seplan durante audiência pública na Assembleia Legislativa, no acumulado de janeiro a agosto de 2015 houve alta de 8,45% na arrecadação tributária do governo do estado, com destaque para o incremento de 9,3% na arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o que significa, na prática, um aporte de caixa de R$ 266 milhões (R$ 235 milhões apenas de ICMS) nas receitas do Executivo.

Além do crescimento da arrecadação tributária, o Maranhão teve um aumento nos valores dos repasses federais da ordem de 3,11% quando comparamos o período de janeiro a agosto de 2014 com o mesmo de 2015, com destaque para o Fundo de Participação dos Estados (FPE) que teve uma elevação no repasse de 6,53%, ou seja R$ 233 milhões a mais nas contas do Executivo. O aumento dos repasses federais para o Maranhão contrasta com a redução dos Fundos de Participação dos Municípios. Prefeituras acusam diminuição de até 30% desse recurso.

Outra informação propagada pelo governo, mas desmentida pelos números, refere-se ao endividamento das contas públicas. O Maranhão atingiu apenas 23% do limite máximo de endividamento estabelecido por resolução do Senado Federal que determina o enquadramento dos estados nesse quesito. O Maranhão é um dos estados menos endividados da federação.

Contra fatos não há argumentos, enquanto a economia vai mal, as finanças do governo vão muito bem. O discurso da “terra arrasada” é um jogo de marketing político, um mito que está sendo derrubado com a força dos números concretos. O governo precisa agora investir mais e agir para fazer com que a nossa economia, que um dia apresentou taxas de crescimento de 10% ao ano, não retroceda.

Adriano Sarney

Economista, Administrador e Deputado Estadual (PV)