COLUNA DO SARNEY: De profetas e profecias

O maior desejo da mente humana é saber o futuro. Desvendar o desconhecido. José do Egito foi o mais consagrado e bem remunerado de todos os videntes. Recebeu recompensas do faraó que fizeram história quando esclareceu o simbolismo das sete vacas gordas e sete magras. Mas… ele não era bem um vidente; era, no relato bíblico, um decifrador de sonhos. Sabe-se, também pelo livro do Gênesis, que essa capacidade de interpretar sonhos faz viver muito. José morreu com 110 anos.

Ser profeta já é outra coisa. Não é um saber o futuro, mas oferecer fábulas capazes de interpretar o futuro. Também é uma arte que tem suas restrições. Uma delas, a primeira de todas, Cristo ensinou: “Ninguém pode ser profeta em sua terra”, sempre deve ser na terra dos outros.

As cassandras são de outra natureza. São profetisas privadas de credibilidade. Ninguém leva a sério, mesmo profetizando desgraças. A fundadora dessa escola que tem seu nome, Cassandra, personagem mitológica, recebeu de Apolo o dom da profecia. Mas, porque lhe negou partilhar de suas intimidades, recebeu, de vingança, não ter credibilidade. Sua mãe, Hécuba, era de grande fertilidade – teve mais de 50 filhos -, e seu pai, Príamo, um velho que não teve forças para lutar por Tróia.

Os astros também podem ajudar nas previsões do futuro. O meu querido amigo e brilhante jornalista Getúlio Bittencourt, nos idos de 85, deu-se ao trabalho de estudar a data e a hora do meu nascimento para fazer o meu mapa astral. Aí, então, eu vi quanta complicação cósmica está envolvida no mistério do nascimento das pessoas. Uma das observações do seu trabalho foi o que pode ocorrer comigo na influência do “Sol trígono Netuno”, em que ele encontrou tendências de minha personalidade: “O senhor é muito criativo, mas tende a refugiar-se em sonhar acordado quando enfrenta problemas. Nada existe de errado em sonhos, mas eles podem ser muito destrutivos quando confundidos com a realidade. Será particularmente útil continuar a escrever ou a pintar na menor brecha que lhe derem. O motivo é simples. A sua imaginação não se esgota na prática da política. Se o senhor conseguir um espaço concreto para ela, seja numa tela, seja numa folha de papel, é mais provável que sua mente possa se concentrar com clareza nos temas reais.” Aprendi também que o “mapa natal” se chama “Rosa dos Ventos”.

Muito em moda, e com grande charme em certo tempo, é a profecia com ares de precisão científica. Por um tempo era comum economistas, matemáticos e físicos virarem profetas e fazerem, mais do que previsões, profecias: “A Terra vai resfriar-se daqui a um bilhão de anos…” A águia americana vai pousar no colo de Greenspan com patas de 4% com a economia mundial em crescimento.”

Mas a profecia mais impossível que vi nesta área, há algum tempo, foi a de que a Amazônia vai acabar em 20 anos! É de um americano, e ficamos em dúvida se é desejo ou ameaça.

De qualquer modo, estejamos tranqüilos, porque, hoje, não é só de médicos, mas também é de profetas e loucos que todos temos um pouco.

COLUNA DO SARNEY: Mundo triste

Há uns 15 anos, eu participava de um debate em Xangai, na China, de uma reunião do InterAction Council – organização que congrega 40 ex-presidentes da República e chefes de governo e tem por objetivo estudar e refletir sobre os problemas mundiais -, que tinha como agenda dois pontos: 1) “Segurança da Ásia”; 2) “Problemas do Futuro da Humanidade.”

Essas reuniões, que se realizam anualmente em diferentes países do mundo, convidam também para participar experts dos assuntos debatidos. Em Xangai estavam presentes, dentre outros, Henry Kissinger, ex-secretário de Estado, e McNamara, ex-secretário da Defesa dos Estados Unidos. Da Ásia estava o Lee Kuan Yew, que faleceu no último março, fundador de Singapura e grande autoridade em assuntos do Oriente. Eles discutiam a primeira parte da agenda. Sustentava Kissinger que a China, que nunca tinha sido potência naval, estava armando-se nesse rumo, comprando porta-aviões da desmontada União Soviética e construindo submarinos nucleares e outras armas, o que certamente constituía uma ameaça ao Ocidente, uma vez que, tornando-se uma presença hegemônica no Pacífico, repetiria o Japão de 1940. Daí surgiu um longo debate sobre a necessidade de defesa do Oriente, com o problema da rivalidade secular Japão-China. O Lee Kuan Yew teve uma participação brilhante, enfrentando os pesos-pesados Kissinger e McNamara.

O outro tema, “Problemas do Futuro da Humanidade” foi mais fascinante. Começaram a ser arrolados: 1) o controle de armas nucleares e foguetes transportadores (vetores); 2) as doenças desconhecidas que iriam aparecer e as transformações no corpo humano, inclusive a maior de todas as ameaças, modificações no DNA, capazes de destruir por acaso a espécie humana; 3) conflitos localizados de difícil controle; 4) o crime organizado; 5) o narcotráfico; 6) o problema da água; 7) o balanço alimentar em países pobres, notadamente na África; 8) o desenvolvimento da tecnologia das armas; 9) o controle demográfico; 10) um sistema de organizações supranacionais encarregadas de coordenar esse problemas; 11) Migrações massivas. Este último tema foi introduzido pelo brilhante ex-chanceler da Alemanha, Helmut Schmidt, que, como um profeta, descrevia o que estamos vendo agora, e que enche de lágrimas os olhos de todos os homens que assistem ao desespero dos que fogem de morrer numa guerra para morrer no mar.

Cada um colocou uma preocupação e a lista foi se alongando, sem deixarem de ter predominância as armas nucleares, as doenças desconhecidas, a explosão demográfica, as migrações massivas e o balanço alimentar.

Mas não me sai da cabeça, quando vejo o que acontece diariamente na Europa, no desespero dos refugiados, o erro da invasão do Iraque, estopim para desestabilização do Oriente Médio, com uma conflagração incontrolável, inclusive com o exército cruel e demoníaco do EI – Estado Islâmico -, ensinando às crianças a degola – e aquele soldado com o menino inerte nos seus braços, entregando-o àquele pai que perdeu tudo o que tinha: esposa e filhos.

Assim, com a violência diária que assola nossas cidades, os crimes mais hediondos, a insegurança total e a fuga massiva que termina afogada no mar, só nos resta dizer: “Que mundo triste!”