Eu tinha um tio Ferdinand, funcionário do Banco do Brasil, que era completamente louco pelo Carnaval. Para ele, o reinado de Momo começava no dia 31 de dezembro, quando nos costumes do velho Maranhão, abriam os bailes populares, de dominó, em que as mulheres reprimidas pela discriminação tinham uma oportunidade de, sob o anonimato, ”rodar a baiana”, e outros, homossexuais banidos e martirizados pela segregação, vestidos de mulher, soltar “a franga”. O baile de máscara acabou e foi até uma marchinha do tempo do Cafeteira (Cafeteira não quer/ máscara neste Carnaval!) e começou a modernidade menos carnavalesca e mais luxuosa das escolas de samba.
Dos bailes populares o mais célebre era do Moisés, uma figura simpática e alegre que conhecia todos os segredos e desejos que nascem e morrem no Carnaval. O Moisés todo ano abria o seu baile, sempre num sobradão desalugado, com grande pompa. Não só meu tio, meu pai e eu também, éramos seus fregueses. Eu menos do que eles, porque sempre fui retraído para a folia.
Outro dia, escrevi aqui sobre os folguedos populares e sobre a identidade brasileira e afirmei que o forte do Brasil era a música e incluí o Carnaval entre as referências maiores. O Carnaval é a mais alta manifestação da cultura da alegria do brasileiro, momento para a picardia e o riso, além de outras coisas boas que ele desperta. Com algum exagero, hoje, tendem alguns radicais religiosos e o Ministério da Saúde a julgá-lo um bacanal. Veja-se os anúncios que o Ministério divulga nas campanhas dos preservativos: “Tenha um Carnaval seguro, use a camisinha”. É até uma negação do significado de Carnaval, que todos afirmam vir do latim CARNE VALE, adeus a carne, porque anunciava um período que precedia a quaresma, tempo de jejum, inclusive do corpo.
Não sei por que me lembrei associar este Carnaval ao meu tio Ferdinand. Ele me traz à memória o seu bloco “O Bando da Lua”, sua participação no Corso lendário de domingo gordo, quando desfilava no carro da Chicó, entre aquelas mulheres de saias grandes colocadas para fora das carrocerias dos carros enfeitados. Seu espírito boêmio incorpora uma estória que fazia parte da história da nossa família. Um tio-avô nosso morreu no sábado de Carnaval, em São Bento. Ele recebeu um telegrama com a triste notícia. Leu e disse à esposa: “Guarde este telegrama e não diga nada a ninguém. Na quarta-feira de cinzas abra e comunique os amigos. Feche a metade da porta – como era costume – e vamos começar o luto”.
E esbaldou-se na farra durante o Carnaval. Algum abelhudo descobriu a morte do velho e cobrou dele, que pulava e não cantava no Bloco: “Canta Ferdinand!”, e ele respondia: “Não posso, estou de luto”.
Todos à folia.