COLUNA DO SARNEY

A Igreja do Carmo

Escrevo hoje para dizer de minha felicidade pela restauração da Igreja do Carmo, tão pobre, sem ouro nem prata, mas com a riqueza da História e marco de nossa cidade.

As pessoas lutam e se tornam heróis e ao longo dos milênios ficam eternos por sua bravura. Mas a única igreja de pedra e óleo de tubarão sustentando suas paredes que participou de uma batalha, resistindo obstinadamente e incentivando os soldados para a luta, foi a nossa Igreja do Carmo. São Luís tem nela um símbolo e uma presença de heroísmo na História da cidade.

A igreja foi iniciada por frei Cristovam de Lisboa, carmelita, o grande autor da Árvores e Animais do Maranhão, parte de sua História do Maranhão queimada no terremoto de Lisboa de 1755. Em sua sacada falaram o grande Tigre da Abolição, José do Patrocínio, e o Conde D’Eu, vaiado pelos estudantes do Liceu quando estava em campanha para ser Rainha a Princesa Isabel. Ali foi fundado o Liceu Maranhense.

Durante 350 anos o Largo do Carmo foi o coração político do Estado. Ali eu vi e ouvi todos os grandes políticos do Maranhão, e eu próprio participei de comícios memoráveis.

Já em 1616, no traçado de São Luís do construtor de fortes que acompanhou Jerônimo de Albuquerque na Jornada do Maranhão, o guia do projeto, Francisco Frias de Mesquita, numa das primeiras cidades planejadas da América, registrava o Largo do Carmo com o projeto de uma igrejinha, em torno do qual devia desenvolver-se a cidade.

As cidades fundadas pelos portugueses sempre tinham por tradição serem construídas em torno de uma praça, de onde se expandiam em busca de espaço. Já os espanhóis tinham a técnica de em vez de uma, planejar duas.

Pois a nossa Igreja do Carmo, na batalha pela expulsão dos holandeses, criou braços e vida e colocou no ar uma imagem de Santo Antônio, que desviava as balas e não deixava que atingissem a igreja e destruíssem a praça, como conta Dom Condurú em sua História Eclesiástica do Maranhão.

Tinham os portugueses o hábito de sempre invocar um milagre para manter o moral de suas tropas, a começar pela bandeira da Ordem de Cristo da Cruz Vermelha em meio às velas brancas.

Já na batalha de Guaxenduba, Nossa Senhora apareceu na praia e transformava a areia em pólvora, para dar a vitória aos portugueses. Por isso mesmo veio a inovação de Nossa Senhora da Vitória como padroeira do Maranhão e na Sé, igreja construída para sua devoção, a imagem foi colocada no lado de fora, lá no alto, dominando o frontispício para que todos que invadissem a cidade vissem que era ela quem defendia nossa São Luís – que lembrava o Rei das Cruzadas, Louis IX.

Há uma disputa de qual ordem chegou primeiro para evangelizar a Amazônia: se os jesuítas ou os franciscanos? Não há dúvida que os que primeiro chegaram foram os capuchinhos, na missão francesa, e deixaram os dois livros fundamentais sobre essa aventura, os costumes, fauna e flora dessa área: Histoire de la Mission des Peres Capucins en l’Isle de Maragnan et terres circonuoisines, de Claude d’Abbeville e Voyage au nord du Brésil fait en 1613 et 1614, de Yves d´Evreux.

E aqui fundaram escolas, civilizaram, levaram a palavra de cristianização, além das missões das Capuchinhas, que fundaram, a partir da Casa da Barra do Corda, muitas outras, cerca de doze. Era sem dúvida a mesma ordenação de São Francisco, quando fez, de Clara, Santa Clara, no seu amor espiritual e evangélico por ela, e que a seu lado iniciou a sua obra.

Os jesuítas vieram depois. Também fizeram um trabalho excepcional, na sua tradição de priorizar a educação. Mas, quando Pombal os expulsou e fechou suas escolas, foram, entre outros, os capuchinhos que as tocaram.

Os capuchinhos adquiriram a Igreja do Carmo, que estava abandonada, em fins do século XIX. Hoje da igreja primitiva parece só restar a porta do Convento e a fachada de frente para a Praça João Lisboa.

Antes disso, em 1713, eles moveram um processo contra as formigas, as saúvas que estavam destruindo suas plantas. Fizeram denúncias, ouviram testemunhas e condenaram. O processo ainda existe, salvo como raridade, sobre esse inusitado fato jamais repetido na História da Igreja.

Assim a Igreja do Carmo e os nossos capuchinhos são a expressão da própria cidade de São Luís e seu grande trabalho pelo povo cristão.

5 pensou em “COLUNA DO SARNEY

  1. Muito bonito este artigo do presidente Sarney… Apenas ele se enganou em dois detalhes. O primeiro é, antes, da responsabilidade de seu conterrâneo D. Felipe Condurú, que “pera encarecer a difficuldade da luita dos Portugueses e a proteçam do çeo usa de hũa fição de canhões” no Largo do Carmo em pleno início do séc. XVII. Nesse tempo as balas eram grandes esferas de ferro fundido expelidas por canhões, e estes eram instalados nos navios de guerra, fortalezas, fortes, fortins e baluartes, como as “meia-laranjas” da beira-mar em São Luís, e quase nunca participavam de batalhas em campo aberto. E o motivo é simples: além e serem peças pesadíssimas e difíceis de carregar, tinham a função bélica exclusiva de afundar navios e derrubar paredes. Depois existiram peças mais modernas, sob-rodas. Mas seria quase impensável que artefatos tão pesados pudessem transpor a zona de mangue existente no ancoradouro próximo ao atual Mercado Central, usado pelos holandeses, ou mesmo vencer as ladeiras íngremes da Praia Grande ao Carmo, e sem função em uma batalha campal no tradicional estilo “mano a mano”… E se ali tivesse que ter canhões estes seriam nossos, não só porque o canhão é filho da fundição, uma joia da tecnologia portuguesa, mas porque éramos donos e senhores da cidade, com tempo e condições de preparar a defesa. O segundo engano é a referência ao inacreditável “processo das formigas”. No petitório judicial os Capuchinhos do Carmo acusaram as rés formigas de lhes furtarem a tulha: açúcar, farinha, trigo e outros víveres… não as plantas. Mas, apesar dos pequenos lapsos desculpáveis, fruto decerto da pressa em fechar a coluna semanal em meio a tantos afazeres, o artigo não perdeu seu brilho. Ficou muito bom!

  2. Favor publicar apenas meu último comentário, pois o anterior foi, por engano, mandado antes da conclusão… Grato!

    • Pode ter certeza, Gladstone, que o famoso Processo das Formigas existiu de fato, e foi uma ação judicial movida contra as formigas que habitavam a região da Igreja do Carmo, no Largo do Carmo, hoje Praça João Lisboa… O ‘Capuchinhos do Carmo, denominados de Ordo Fratrum Minorum Capuccinorum’, por sigla “OFM Cap.”, ordem religiosa da grande família Franciscana, moveram um processo judicial onde requereram (pasme-se!) que as formigas, viventes na região do Largo do Carmo, se abstivessem de entrar em seu paiol ou tulha, e, assim, continuarem furtando-lhes as mercadorias que vinham furtando: açúcar, farinha, trigo, biscoitos, cereais, etc. Hoje, tal proposta é de se rir, não verdade? Mas naqueles tempos, outros processos semelhantes foram tentados pelo mundo afora… Um deles contra uma porca! Só não se tem notícia do sucesso da citação, isto é, se o meirinho (hoje chamado de Oficial de Justiça) conseguiu citar, isto é, intimar quem foi acusado… E, como se sabe, sem a citação o processo não vai adiante…! Ó tempos, ó costumes!

  3. Mandei ontem um comentário sobre o excelente artigo do presidente Sarney sobre a igreja do Carmo, e vejo agora que não foi publicado…!

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