Do blog do desembargador José Luís Almeida
Não se fala noutra coisa, nos meios jurídicos, que não seja na aposentadoria da juíza Florita Castelo Branco por ato do Excelentíssimo Senhor Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, apesar da PEC da Bengala, editada pela Assembléia Legislativa do Estado.
Noticia-se, até, que o deputado Manoel Ribeiro (PTB), da Tribuna da Assembléia Legislativa, teria ameaçado denunciar o presidente do Tribunal de Justiça ao Conselho Nacional de Justiça. Segundo a ótica do deputado, com o ato de aposentadoria de Florita, Jamil Gedeon teria afrontado a harmonia entre os Poderes Legislativo e Judiciário, negando validade a uma norma editada pela casa legislativa do estado.
Admitindo-se, por hipótese, que a fala do deputado Manoel Ribeiro não fosse mera retórica, seria bom que ele efetivamente denunciasse o presidente do TJ-MA. E por que penso assim?
Porque, se efetivamente essa questão chegasse ao CNJ, ter-se-ia uma antecipação, na órbita administrativa, do entendimento de juristas de escol, acerca daquilo que todo mundo que tenha o mínimo de lucidez já sabe, ou seja, que a PEC da Bengala, editada pela Assembléia Legislativa do Estado, é um escárnio, uma afronta, um vilipêndio despudorado à ordem constitucional. O legislador infraconstitucional pode muito, mas não pode tudo, importa dizer.
Sem que seja necessário fazer maiores digressões, mesmo porque com essas reflexões não pretendo defender nenhuma tese, quase jejuno que sou em matéria constitucional, vou expender as minhas impressões acerca da quaestio.
Pois bem. Uma lei, como é comezinho, tem dois âmbitos: vigência e validade. É dizer: uma lei pode estar vigendo, caso da PEC em comento, e não ser válida, porque, como é o caso da mesma PEC, gestada em flagrante descompasso com a Constituição Federal.
Ora, se a lei não é válida, porque atenta, a olhos vistos, contra Carta Magna brasileira, o administrador que tenha o mínimo de responsabilidade não pode e não deve dar a ela os efeitos que não tem, por faltar-lhe a necessária eficácia, em virtude de sua flagrante inconstitucionalidade, por albergar matéria que não é da competência do legislador estadual.
Tenho reiterado, nos diversos votos proferidos na Corte Estadual, e nos quais são tratadas questões constitucionais, que o aplicador da lei, ao fazê-lo, não pode deslembrar que a nova matriz espistemologica do direito parte, sempre, da concepção de estado constitucional, entendido como aquele que desloca o princípio da primazia da lei para o princípio da primazia da constituição.
Nesse diapasão, a administração pública, regida, dentre outros, pelo princípio da legalidade, desautoriza o Administrador a fulcrar suas decisões com base em leis manifestamente inconstitucionais, como o é a PEC da Bengala, equivocadamente aprovada pela Assembléia Legislativa do Estado do Maranhão, na sua incontida volúpia legiferante.
É preciso reafirmar, com Kelsen, que as normas constitucionais são condicionantes de toda legislação infraconstitucional, razão pela qual compreendo que o equívoco da Assembleia não poderia mesmo receber a chancela do presidente do Tribunal de Justiça, que, tomado pelo melhor dos propósitos, e em nome mesmo da moralidade, assinou o ato de aposentadoria da colega Florita Castelo Branco, obstando a sua intenção de permanecer judicando, sem mais poder fazê-lo, à luz da CF.
Gilberto,
A palavra comezinho, constante do meu artigo, está grafada, equivocadamente, com “s”. Desse equívoco só me dei conta quando enviei o artigo ao Jornal Pequeno. Portanto, se possível for, gostaria que o erro fosse extirpado.
Um abraço cordial de
José Luiz Almeida
Correção feita, desembargador.