A liberdade tem grande poder criativo. Até mesmo os excessos o seu exercício corrige. É necessário, para entendê-la, compreender o que é o tempo.
Leonardo da Vinci escreveu uma noite, em seus angustiados cadernos, que “justiça é filha do tempo”. Um dia ouvi, em Hong Kong, em companhia do embaixador Miguel Osório, que naqueles anos (1967?) procurava desvendar o mistério do que ocorria com a Revolução Cultural na China, uma afirmativa de um velho poeta, com o sabor de sabedoria milenar, que a diferença entre o Ocidente e o Oriente era o fato de que os ocidentais não sabiam o que era o tempo.
Quando me encontrei com Deng Xiao Ping, em Pequim, ele me falou entusiasmado de seu país daqui a cem anos, como se dissertasse sobre o dia seguinte. Descreveu-me empolgado as metas dos próximos 20 anos, como se comentasse a madrugada que viria.
Comecei então a aprender o que é o tempo e a saber que é dele que se faz a vida. Muito tenho falado sobre a paciência, mas, hoje, ocorre-me defini-la como a virtude de saber esperar. Não com o sentido de reparar injustiças ou desejo de esquecer o passado, mas de ver os fatos com o sabor de “experiência vivida”, de ser humilde ao olhar erros, de aprender, de poder emitir conceitos e de ter a consciência de que muitas vezes podemos estar errados.
Nada mais falso do que o chavão de repetir que, se tivéssemos de viver de novo, repetiríamos tudo. Muitas coisas não faríamos, outras acrescentaríamos e outras nem uma coisa nem outra, simplesmente seriam ignoradas. Afinal, a gente melhora com o passar dos anos. Perde-se em vigor, mas ganha-se em saber. Os desenganos, as esperanças modestas, as ambições, as vaidades e as paixões têm o realismo do conhecimento do funcionamento do tempo, da vida.
Porque é bíblica e sagrada a certeza de que há tempo de semear e tempo de colher. É possível que o tempo de colher seja mais glorioso. Mas é o tempo de semear que determina o que se vai colher.
Governei o Brasil no período mais difícil de sua história, mais cheio de cobranças políticas. Somavam-se esperanças e dificuldades. As liberdades, represadas 20 anos, explodiam em reivindicações e gestos de intolerância. A ânsia de mudanças atropelava os fatos.
Coube-me plantar e poucas vezes colher. Há frustração maior do que plantar e não colher? Até Cristo, quando olhou aquela videira sem frutos, que ele não plantara, lançou a maldição: “Teus galhos secarão.”
Mas é preciso ter a noção do tempo para esperar o momento da colheita. Como exemplo, recordo que semeei o exemplo de respeitar até o limite dos exageros, a liberdade de imprensa, rádio e televisão porque sempre entendi que a prática da liberdade corrige os excessos. Não apenas nos veículos de comunicação, mas em todo o processo de circulação de informação da sociedade. As instituições se fortalecem e se consolidam. A democracia é um regime que é melhor do que os outros porque sobrevive às crises e sabe absorvê-las.
O Brasil vive as excelências de um regime democrático, pluralista e aberto. Sua massa crítica e instituições não entram em colapso em face da tempestade e seguram as estruturas da sociedade e do Estado.
E, dentro deste vendaval, constata-se a verdade de Jefferson de que a liberdade de imprensa é a liberdade fundamental. Nossos Rui Barbosa resumiu o conceito chamando-a “pulmão da democracia”.
A semeadura foi boa. Hoje, todos colhemos os frutos de uma imprensa vigorosa, cumprindo sua missão de informar. Porque, no mais, as decisões são frutos da verdade que, como se diz no Maranhão, “é com o manto de Cristo, não tem costura”. Inconsútil, não admite remendo sem deixar marca.