Lamento que somente agora descobri o livro do historiador José Eulálio Figueiredo de Almeida sobre o processo da Baronesa de Grajaú, obra muito bem construída, escrita numa linguagem moderna, sem concessões ao barroco e abrangendo todos os ângulos desse rumoroso caso, que passou a ser um marco na História do século XIX, no Maranhão, dando margem a que se tivesse uma visão ampla sobre a vida cotidiana, os costumes, com incursões sobre a medicina, a consciência do povo sobre a mancha hedionda da escravidão.
As novas gerações não têm entre suas prioridades grandes interesses sobre a História, notadamente a história do Maranhão, que era fascinação para a minha. Esse processo trata da acusação de que a dona Ana Rosa Viana Ribeiro, esposa do doutor Carlos Fernando Ribeiro, chefe do Partido Liberal no Maranhão, que depois seria escolhido por dom Pedro II Barão de Grajaú, que teria por constantes sevícias e maus-tratos morto um escravo seu, um menino de 8 anos, de nome Inocêncio.
O crime teve um grande repercussão na cidade e envolvido médicos de grande renome, como o dr. Santos Jacynto, conceituado e grande médico que assinou o atestado de óbito dizendo ter o menino morrido de ipoemia intertropical, o que significa opilação, vermes. Acontece que o cadáver apresentava sinais marcantes de pancadas, equimoses, feridas, derrame craneano, enfim, todas as evidências de ter sofrido o que os escravos sofriam: tortura, sevícias, surras.
A baronesa era conhecida como pessoa má, tida na cidade como sádica com seus escravos, a quem submetia a um regime de padecimento constante. O processo envolveu também duas figuras da maior importância na história maranhense. Primeiro e maior, Celso Magalhães, pioneiro do abolicionismo e grande nome da literatura, na acusação e, na defesa, Paula Duarte, que, pela leitura do processo, foi melhor jurista que seu opositor. Era um grande orador, foi deputado provincial, boêmio, e de reconhecida inteligência e talento.
A Baronesa foi levada a júri, pronunciada, presa e finalmente absolvida por unanimidade, chegando para ser julgada em companhia de damas de preto, amigas e damas da sociedade.
Mas eu tenho uma história para contar sobre o processo e sua sobrevida, capaz de dar aos historiadores a oportunidade de manuseálo e a salvo. Eu era Oficial Judiciário, trabalhava no Tribunal de Justiça, na Rua Afonso Pena, esquina com a Rua Direita. Eu tinha 19 anos. O Governo Paulo Ramos construíra o novo Tribunal na Praça Pedro II. Começou a mudança e o presidente do Tribunal, desembargador Joaquim Santos, determinou que os processos velhos, os que fossem anteriores a 30 anos, podiam ser jogados fora. A mudança levou vários meses. Não tínhamos muitos caminhões e o transporte era feito pelas carroças, que se enfileiravam ali para carregar as coisas. Fui designado para ajudar. Numa das carroças eu, já intelectual e jornalista, em breve membro do Instituto Histórico, sucedendo o professor e grande homem de letras Antonio Lopes, comecei a tentar salvar alguns daqueles papéis que eu julgava um crime irem terminar na maré. Encontrei o processo da Baronesa. Eu conhecia o caso. Exultei. Salvei outros processos que doei a Arnaldo Ferreira.
Não sei se constam da sua grande biblioteca, hoje pertencente ao Senac. Comuniquei na Faculdade ao colega Walbert Pinheiro que com ele permaneceu uns dias. E guardei na esperança de escrever um romance com aquele repositório de informações.
O tempo passou. O processo sempre comigo. Uma noite, em Brasília, Josué veio jantar comigo com Yvone. Disse-lhe que tinha o processo da Baronesa de Grajaú. Seus olhos brilharam. Mas estabeleci uma condição que ele escrevesse um romance sobre ele. Trato feito dei-lhe o processo. Josué, com ele, escreveu sua maior obra, Os Tambores de São Luís, o romance da escravidão, escrito com um século de atraso, mas preencheu uma lacuna. É um livro monumental.
Numa solenidade, no Museu Histórico do Maranhão (fundado por mim), Josué em minha frente, fazendo referência a essa história, doou ao Museu o famoso manuscrito. Foi assim que ele foi parar ali.
Sempre tinha a preocupação de que ele fosse perdido e era meu propósito um dia nós o tivéssemos no Arquivo Público do Estado, muito bem organizado, climatizado, papel sem acidez separando as folhas, para evitar que o tempo apague a tinta e que esta corrói o papel. Por outro lado, estabelecer técnica de manuseá-lo.
Pelo excelente livro do escritor Eulálio de Almeida, soube que está sob a guarda do Ministério Público. Aqui uma sugestão. O MP faça uma comissão, visite o Arquivo Público e ali deposite o processo, para salvá-lo. Vão conhecer uma repartição organizada e que tem um tesouro guardado, com documentos e equipamentos capazes de preservá-lo. Fora dali, todos nós somos mortais, as coisas vão ficando de uns para outros e com o tempo a memória deles desaparece. Aqui fica uma sugestão.
Pela própria natureza dos processos de conservação nem o Museu Histórico nem o MP tem esses meios.
Duas mulheres dominaram o imaginário maranhense como más. Dona Ana Jansen e a baronesa de Grajaú. A primeira era feia, a segunda bonita. Da primeira nenhum processo restou, só a fama. Da segunda, temos a figura de um homem corajoso, o promotor Celso Magalhães, que bem merece o tributo que lhe faz o Ministério Público.
Guardar para a eternidade esse processo é uma homenagem que se faz a essa grande instituição.
Sim, essa história ele sabe contar…
E quanto aquela da “caixinha do Zé”?
Pronto… até o livro “Os Tambores de São Luis” foi escrito graças a José Sarney.
Não faltava mais nada!!!!!!!!!!!!
Obrigado José…como não conseguistes ter nenhuma obra reconhecida, “goze” com a obra do outro.
Mais sarneísta, impossível.
COMO PENALVENSE GOSTARIA DE ME CONGRATULAR COM O PRESIDENTE SARNEY, POR TER LEMBRADO NO ARTIGO ACIMA O NOME DO PENALVENSE MAIS ILUSTRE O DR CELSO MAGALHÃES.
O promotor Celso Magalhães foi muito destemido e pagou caro pela sua bravura, logo após o Partido Liberal subiu ao poder e o primeiro ato do doutor Carlos Fernando Ribeiro foi destituir o doutor Celso Magalhães que tempos depois morreu no ostracismo em sua terra natal.