Uma mudança de mentalidade

Da Coluna do Sarney

Fui conduzido à política por uma causa bem precisa; o desejo de compreender a economia e saber como ajudar o Maranhão a romper a estagnação. Para isso, sentia-me preparado intelectualmente e o tema, sendo recorrente, estava no centro das preocupações da minha geração. Não me moviam a busca e o dessejo do poder, pois, aos 20 anos, ninguém tem o dom de adivinhar o futuro. Mas a vida conduziu-me a conviver com ele e a exercê-lo, o que fiz sempre em benefício da causa pública.

sarney1Quando assumi o poder, não me deixei seduzir pelas facilidades que ele oferece aos oportunistas e carreiristas. Minha preocupação foi abrir o espaço que deveria ser ocupado pelo Maranhão e conquistar o respeito da opinião pública e o destaque na política nacional, onde sempre achei que seria mais útil para defender os interesses do meu estado.

A primeira coisa que o nosso grupo de jovens intelectuais pensou foi fazer um diagnóstico do Maranhão, para saber por que São Luís parara no tempo e, em 1950, continuava com a mesma área urbana de 50 anos antes, sem nenhum crescimento, conservando os obsoletos e sucateados serviços de transporte, água e energia, construídos no início do século. O sistema de governo era o mesmo: oligárquico, ou seja, aquele que a Revolução de 30 tentara acabar. A oligarquia, como pensavam os revolucionários, era o sistema baseado no coronelismo e mantido com os instrumentos de mando baseados unicamente na subjugação da coletividade pelo coletor, na extorsão dos impostos, e pelo delegado, no exercício da violência policial contra os cidadãos, com todo o conjunto de ações típicas do arbítrio, do mandonismo e do autoritarismo com impunidade. Os coronéis, com esses instrumentos, dominavam, mantinham e exerciam o poder e imobilizavam as forças sociais. Enquanto os coletores de impostos eram instrumentalizados para as funções de agentes arrecadadores, os delegados comandavam o sistema policial que incluía subdelegados e inspetores de quarteirão, numa rede capilar que atingia até os pequenos aglomerados. Esse sistema foi bem estudado por Vitor Nunes Leal no seu clássico livro Coronelismo, Enxada e Voto.

Na minha plataforma de campanha, prometi acabar – e, governador, acabei – com esse anacronismo perverso: o coletor não seria nunca mais indicação política e, sim, funcionário público qualificado e nomeado segundo critério técnico. Os delegados seriam escolhidos por concurso e as figuras dos subdelegados e inspetores de quarteirão foram extintas. O símbolo desse vergonhoso sistema, que não medi esforços para desmontar, eram os famigerados “troncos”, ainda existentes em alguns municípios do interior. Os “troncos” eram correntes de ferro cravadas em pesados troncos de árvores ou esteios, onde se acorrentavam os presos. Tratava-se de uma reminiscência dos tempos coloniais e da escravidão, que perdurava no Maranhão em pleno ano de 1966. Eleito, mostrei na televisão aquelas correntes, macabra imagem daquilo que estávamos erradicando. Muitos dos que ainda falam que o Maranhão não mudou em nada eram responsáveis ou cúmplices desse sistema.

A sociedade ansiava por liberdade e desenvolvimento. Administrar, no Maranhão, ainda era uma atividade artesanal, resumida a tarefas e insignificantes. Assumindo o governo, a primeira medida que adotei foi a de criar instrumentos legais, técnicos e administrativos que nos permitissem o ingresso na era do planejamento.

Nessa tarefa de ganhar os espíritos para as novas ideias, reuni técnicos, especialistas em diferentes matérias. A essa equipe excepcional de colaboradores atribuo os méritos pelo tanto que se conseguiu em tão pouco tempo. Tive apenas o privilégio de liderá-los. As linguagens novas que introduzimos ao abordar os problemas do Estado contribuíram para consolidar a consciência cívica para uma gradual mudança de mentalidade.

Foi o que o denominamos de “Maranhão Novo”, talvez a coisa mais importante de nossa História moderna. Busquei a renovação, recrutei só gente nova, que tinha de 27 a 30 anos. A eles dei oportunidade e confiança. Infelizmente alguns deles, que me combatem hoje, não aproveitaram, pensaram somente em conquistar poder e vantagens.

Mas a obra que iniciei e prossegui aí está. O Maranhão passou a ter espaço nacional. Fizemos ministros, ocupamos posições federais, chegamos mesmo a ter um presidente da República. Participamos da História do Brasil.

Foi a geração dos poetas, que me coube liderar, e que só o dogma fanático das ideologias pode pensar em apagar da História.