Bom Jardim: ex-secretário coagiu delatora a mudar depoimento à PF

De O Estado

Ao desencadear a Operação Éden, que investiga esquema de corrupção com verba do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) em Bom Jardim, a Polícia Federal usou como um dos argumentos para pedir as prisões da prefeita Lidiane Rocha (sem partido) – e de dois ex-secretários – o fato de que a organização criminosa já atuava na cidade para ocultar provas e pressionar testemunhas a não falar sobre o caso. Só do Pnae, foram desviados, segundo a PF, R$ 1 milhão – R$ 300 mil apenas em uma licitação.

Beto Rocha e Antonio Cesarino, no dia da prisão (Foto: Reprodução/De Jesus/O Estado)

Beto Rocha e Antonio Cesarino, no dia da prisão (Foto: Reprodução/De Jesus/O Estado)

Na recente passagem pelo município, no início da semana, O Estado teve acesso a uma gravação que comprova essa atuação do grupo contra a investigação.

O áudio obtido com exclusividade foi gravado por uma das supostas agricultoras cadastradas pela Prefeitura Municipal como fornecedora de produtos agrícolas.

Segundo a PF, todos esses “produtores” receberam recursos federais em suas contas, mas o dinheiro foi sacado em uma agência do Banco do Brasil e entregue aos dois auxiliares da prefeita destacados para o esquema: Beto Rocha, então secretário de Assuntos Políticos e companheiro de Lidiane Leite; e Antônio Cesarino, ex-secretário de Agricultura. Ambos já estão presos. A gestora, foragida.

Conversa

A conversa registrada ocorreu entre Cesarino e uma suposta agricultora identificada apenas como Socorro. Um terceiro interlocutor – aparentemente um advogado de Cesarino – também aparece na conversa. O diálogo se deu dias após ela prestar depoimento à PF, que já investigava o caso em Bom Jardim. Esta foi uma das primeiras delações.

Socorro era diretora de uma escola do Município, e fora demitida depois de colaborar com os federais na apuração do caso. Antônio Cesarino reclama que ela deveria ter “conversado com a prefeita” antes de delatar o esquema à PF.

“A senhora deveria ter conversado com a prefeita, deveria ter conversado com a gente, para nós termos lhe orientado, […] para falar a verdade mesmo. Agora, sem ter conversado com a gente?”, protestou.

Durante toda a conversa ele tenta descobrir quem levou a ex-servidora aos federais, e chega a pressioná-la a dizer. Ele suspeita do presidente da Câmara Municipal, vereador Arão da Silva (PTC), mas reafirma que os “responsáveis” pelo esquema eram ele, a prefeita e Beto Rocha.

“Nós é que somos responsáveis. Não é o Arão, não é o Moisés. É eu, é o Beto, é a Lidiane (sic), que tem que esclarecer pra polícia, pro juiz, pra quem quer que seja, o que aconteceu. […] Eu lhe juro por Deus, eu não me preocupo com o que a senhora for lá dizer. Agora, sem a senhora ter conversado com a gente? O depoimento que a senhora prestou lá […] a senhora só falou, falou, falou, me acusando”, completou.

E emenda: “A senhora tinha que ter dito a verdade: que o dinheiro todo foi para mão do Beto Rocha”.

Início

Antônio Cesarino mostra-se, ainda, ressentido pelo fato de acreditar que fora o depoimento de Socorro o desencadeador de toda a investigação que culminou com a Operação Éden.

“A senhora complicou a vida de muita gente. Se a senhora não tivesse ido, a polícia nunca que viria em Bom Jardim […]. O seu depoimento foi primeiro, dona Socorro. O quê que é isso?! A senhora foi primeiro na Polícia Federal. A senhora pensa que nós não sabemos? A senhora foi primeiro. […] Antes de todo mundo”, relatou.

A delatora reage. Diz que se arrependeu de ter aceitado receber o dinheiro em sua conta.

“O maior erro da minha vida. Se eu soubesse, Antônio, que isso ia dar no que deu, minha conta nunca tinha ido pra mão do Miltinho. Então, o meu nome, eu com 40 anos, eu nunca tinha precisão de ir na polícia nem municipal e hoje meu nome está na Polícia Federal, por causa de prefeitura, que eu não tenho nada a ver”, disse.

Antonio Cesarino volta a insistir que ela converse com a prefeita: “O que eu lhe oriento é a senhora conversar com a prefeita, dona Socorro”. Mas ela é enfática: “Não! Eu não vou conversar. Antônio, o que tá acontecendo hoje é questão das pessoas confiar em quem não conhece. Então, nesse momento, ninguém foi meu amigo, porque meu nome não tinha precisão de estar onde está”.

No pedido de habeas corpus protocolado na terça-feira no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e já negado pela ministra Maria Thereza Moura, o advogado da prefeita Lidiane Leite sustenta que ela não teve participação no esquema e relata que nos contratos firmados com os agricultores, “não há assinatura da paciente, atestando que não possui qualquer contato direto com tais pessoas, nem antes e nem (sic) depois da instauração das investigações”.

O Estado tentou contato com os advogados de Beto Rocha e de Antonio Cesarino. O defensor do primeiro já não é mais o mesmo do início do processo. O do segundo não foi localizado.

“O dinheiro foi todo para a mão do Beto”, denunciou comparsa

Durante praticamente toda a conversa, o ex-secretário de Agricultura de Bom Jardim, Antonio Cesarino, esmera-se em dois objetivos: descobrir quem levou a delatora à presença da Polícia Federal, e deixar claro que quem ficou com o dinheiro do esquema foi o ex-companheiro da prefeita Lidiane Leite, Beto Rocha.

Ele classifica o ex-titular da Secretaria Municipal de Assuntos Políticos de “cabeça” e garante que, com o decorrer das investigações, a Justiça chegará a ele.

“Essa situação, o dinheiro foi todo para a mão do Beto. No dia certo, a Justiça vai chegar no cabeça disso aí, não tenho nem dúvida”, afirma.

Ele reitera o pedido para que Socorro converse com a prefeita e a reclamação sobre o fato de ela não haver procurado os gestores antes de depor à PF.

“O único erro da senhora que eu achei foi a senhora não ter vindo falar comigo, ou com a Rosana, ou com alguém, dizer assim: ‘gente, estão me chamando para eu ir lá na Polícia Federal. O que eu faço?’, não é?”, sugeriu.

Ex-secretário tentou fazer delatora mudar depoimento

Num dos trechos da conversa gravada, o ex-secretário Antônio Cesarino sugere que Socorro mude seu depoimento à Polícia Federal. Dirigindo-se a um terceiro interlocutor – aparentemente um advogado também presente – ele questiona se é possível solicitar que a delatora prestasse outro depoimento.

“O que eu queria saber, doutor, é se ela tem como requisitar outro depoimento lá, tem?”, pergunta.

O indivíduo explica que é possível retificar o depoimento – para acrescentar informações -, mas não modificar o teor da delação, sob pena de se incorrer em crime.

“Tem como a gente ir lá e pedir uma retificação no depoimento. No caso não dá para você voltar atrás dos fatos que a senhora alegou, senão a senhora vai incorrer em crime, mas existe a possibilidade de tu acrescentar”, esclarece.

“Acrescentar, tipo?”, quer saber Socorro.

“Tipo que o dinheiro ia para o Beto”, intromete-se Cesarino.

A delatora reage: “Sim, mas e se ele perguntar: ‘você viu o Beto lá no dia?’ Eu já falei que eu não vi”.

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