Já tive oportunidade de escrever nesta coluna que em 1994 participei em Xangai, na China, de um ciclo de conferências a que estavam presentes Kissinger, McNamara, Helmut Schmidt, Takeo Fukuda (o grande estadista e primeiro ministro do Japão) e os maiores experts mundiais dos problemas que ameaçam o futuro da humanidade incluíram um item que fora colocado na agenda depois do aparecimento da Aids: as doenças desconhecidas.
O que me enche de orgulho, a mim que sei dosar a minha vaidade, é justamente a contribuição que dei à humanidade quando, no dia em que o Congresso de Vancouver anunciou o coquetel de medicamentos para deter a expansão da epidemia da Aids e fazer o controle da doença, apresentei um projeto, como presidente do Senado, estabelecendo que o Estado devia fornecer medicamento gratuito a todos os doentes. O ministro da Saúde de então foi contra, alegando falta de dinheiro. Fui ao FHC, então presidente, e fechei questão: ou ele sancionava a lei ou eu romperia com o governo, pois era um projeto humanitário e seria a grande esperança dos portadores do vírus HIV. Com meu prestígio consegui que o projeto passasse no Senado e na Câmara em uma semana. FHC atendeu-me e o sancionou.
Este programa foi um sucesso no Brasil e depois foi seguido pelo mundo inteiro. Hoje é o método recomendado pela OMS (Organização Mundial de Saúde das Nações Unidas) para controlar a doença. Assim, eu ajudei a humanidade e ao atual controle da Aids. O New York Times entrevistou-me na época e ressaltou a grande contribuição que dei. Perguntoume quem me inspirou a fazer essa providência. Eu respondi: Ninguém; foi ser
um intelectual e me preocupar com a primeira doença que associava o amor à morte e ameaçava a reprodução humana.
Agora, pelos mesmos motivos, estou profundamente preocupado com a epidemia de microcefalia e lembrei-me do Congresso de Xangai, que previa as doenças desconhecidas que afetariam o futuro da humanidade. Liguei para o mestre David Uip a maior autoridade em infectologia do Brasil , perguntandolhe sobre a microcefalia e o zika. Ele primeiro me disse que não há certeza da ligação do vírus com a doença. Há uma suposição científica ligada pela evidência da simultaneidade da presença do vírus e da doença. Que a única certeza cientificamente comprovada é que o mosquito aedes aegypti é o transmissor do zika vírus e que a única providência a tomar é combater esse mosquito. Ele é hoje o nosso maior inimigo.
O homem tem a consciência, a linguagem, graças ao crescimento do seu cérebro. Seja ou não comprovada a relação entre o zika vírus e a redução do tamanho do cérebro, isto representa uma situação equivalente ao regresso do gênero humano a estágios primitivos, além de outros efeitos correlatos como a síndrome de Guillain-Barré, doença autoimune que provoca inflamação do sistema nervoso e grande fraqueza muscular.
Mas os grandes dramas são o das crianças com microcefalia, que terão enormes dificuldades de viver e de se integrar ao mundo, e o das mães que vivem a expectativa do que acontecerá com seus filhos. A tragédia, repetida milhares de vezes, é pessoal e, por mais que façamos, o que fizermos será insignificante.
Então todos nós declaremos guerra ao mosquito, para que o vírus não se espalhe pela humanidade e diminua o desenvolvimento de pensar.
Estamos ameaçados de ver o ser humano desaparecer e a humanidade está preocupada com os muçulmanos, os terroristas e os fundamentalistas. O mosquito é que é o inimigo. Guerra total a ele, com garra e conscientização.
José Sarney