Por José Sarney
As cidades, desde sua formação, precisavam de um elemento de prestígio, algo de sagrado, de mágico, de atraente. Os gregos criaram uma pequena cidade, e Atenas e Poseidon disputaram o lugar de seu protetor. Atenas propôs que os próprios habitantes resolvessem. Poseidon deu-lhes um cavalo magnífico, a deusa dos olhos cor de mel, uma grande oliveira. Empurraram um velho para decidir por eles. Agradeceu a Poseidon, seu presente representava a força, a coragem, a guerra; mas o de Atenas trazia prudência, serenidade, paz. Eles preferiam, à incerteza, a segurança. E assim a cidade tomou o nome da deusa da sabedoria.
Já os romanos tinham um mito mais trágico: Reia – descendente de Eneias, filho de Vênus – foi seduzida por Marte e teve gêmeos. Mandaram matá-los; os jogaram no Tibre. Levados pelas águas, foram salvos por uma loba, que os amamentou e criou. Rômulo e Remo cresceram e resolveram fundar uma cidade no lugar onde a loba os tinha salvo. Que os presságios definissem quem marcaria seus limites. Remo, no Aventino, sonhou primeiro: viu 6 abutres. Rômulo, no Palantino, viu 12, declarou-se vencedor e saiu definindo o espaço sagrado. Remo, inconformado, violou a linha. Rômulo matou o sacrílego.
No Brasil também temos nossas proteções. Em Salvador, nas batalhas contra os holandeses, Santo Antônio tomou a frente dos combates. Já contava Vieira; e continua até hoje a tradição de lhe pagarem o soldo de oficial.
Em Guaxenduba, segundo Simão Estácio da Silveira, “tudo foram meios que Deus tomou de dar tão inesperada vitória” à “pouca gente portuguesa” contra os muitos franceses: só se explicava pela presença de Nossa Senhora da Vitória. Os jesuítas assentaram em devoção a cidade que ela conquistara.
Mas nem tudo entre nós é religioso. Temos dona Ana Jansen, a malvada, que não descansa e passa certas noites, levada por cavalos sem cabeça. Temos a serpente encantada em baixo da cidade, nos túneis que saem da fonte do Ribeirão. E a história do touro negro, com uma estrela na testa, que é dom Sebastião, o rei desaparecido em Alcácer-Quibir, depois tornado o encoberto, que viria criar o Quinto Império? Fernando Pessoa esperava por ele: “Que voz vem no som das ondas / Que não é a voz do mar?”
Uma comitiva de escritores visitava São Luís: Osório Borba, Thiers Martins Moreira, Aurélio Buarque de Holanda. Escutaram algumas de nossas histórias. Rubem Almeida ficou zangado, isso é invenção desses meninos – Tribuzi, Domingos Vieira Filho e eu. Na praia do Olho d’Água, Aurélio perguntou a uma senhora idosa que nos observava sobre dom Sebastião. E a velha: “Vi dizer que passava esse navio antigo…” Os escritores, todos conhecedores de poesia reagiram: “Um alexandrino!”
Odylo completou, mais tarde: “Vi dizer que passava esse navio antigo,/ pesado a naufragar de sedas e areias.// Mas, em vez dos sinais dos canhões do inimigo,/ carregava nos cascos a marca das sereias.”
O Presidente Sarney vale uma aula de cultura,conhecimento e tradição humanística honrando o Maranhão e Brasil, e deixando o seu legado às gerações mais jovens.
Aquí em nossa querida Presidente Dutra, a guarda e proteção da cidade está sob o comando do valoroso centurião romano São Sebastião, nosso padroeiro. Assim como em Passagem Franca. Diz a tradição e a lenda, que a Igreja está construída sob um imenso poço de petróleo guardado pelos capuchinhos.
O Sarney em que pese as suas notórias limitações no vernáculo, nos consegue brindar com um texto mágico, de estilística truncada e que nos faz ter orgulho e saudade de nós mesmos. Mostrando um Maranhão repleto de estórias, lendas e mistérios. Valeu!
Quem primeiro trata do tal “milagre de Guaxenduba” foi o Padre José de Morais em sua obra intitulada História da Companhia de Jesus na extinta Província do Maranhão e do Pará, no qual ele próprio teria acompanhado os soldados portugueses naquilo que passou-se a se chamado mais tarde de “jornada milagrosa” .
No tocante a Simão Estácio da Silveiro eu desconhecia essa sua referência.
De todo modo vivendo e aprendendo.