O governo dos Estados Unidos fez chegar ao presidente Jair Bolsonaro um recado que pode ser considerado uma retaliação muito maior que taxar o aço: o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas para uso da base de Alcântara, no Maranhão, está ameaçado caso o Brasil mantenha os chineses no leilão 5G — que está previsto para o segundo semestre de 2020. Os americanos temem espionagem e alegam que não vão utilizar sua tecnologia espacial em um país no qual as redes de tecnologia da informação são controladas por seu rival comercial, a China.
O AST permite o uso comercial da base de Alcântara para o lançamento de satélites, mísseis e foguetes americanos. Em contrapartida, o Ministério da Defesa estima um faturamento de até US$ 10 bilhões (cerca de R$ 41 bilhões) por ano com o aluguel do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA).
Ao HuffPost, o brigadeiro do ar Rogério Veríssimo, que coordena o grupo de trabalho brasileiro formado para implementar o acordo, nega a informação, a qual classificou como “fake news”. “Não há a menor chance de o AST ser prejudicado por conta da China. Fake news. AST já está aprovado por lei”, afirmou o brigadeiro Veríssimo em troca de WhatsApp. A reportagem confirmou a advertência recebida dos EUA com diplomatas e interlocutores do governo.
Apesar da alegação do brigadeiro Veríssimo, que dá a entender que não há como voltar atrás no acordo, há trechos no texto do próprio AST que abrem espaço para os EUA colocá-lo em suspeição, em especial sobre a questão de troca de tecnologia. É o caso do artigo IX, que trata da implementação:
“As Partes deverão entrar em consultas, por solicitação de uma das Partes, para avaliar a implementação deste Acordo, com particular ênfase na identificação de qualquer ajuste que possa ser necessário para manter a efetividade dos controles sobre a transferência de tecnologia.”
O Acordo de Salvaguardas Tecnológico de Alcântara foi aprovado no Senado em 12 de novembro, e existe um grupo que reúne 13 ministérios trabalhando para sua implementação. Desde o governo Fernando Henrique Cardoso o Executivo tentava tirar o AST do papel e o Palácio do Planalto tem se vangloriado de que foi a relação próxima da família Bolsonaro com Trump que propiciou sua assinatura em Washington, em março deste ano.
Brasil vira alvo
A mensagem com a ameaça da suspensão foi enviada de maneira informal pela diplomacia dos EUA à brasileira dias após a realização da cúpula dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), realizada em Brasília em meados de novembro.
O evento, monitorado de perto pelo governo americano, contou com várias sinalizações de Bolsonaro aos chineses. A princípio crítico da China, o mandatário brasileiro disse que o país “cada vez mais faz parte do futuro do Brasil”.
O Brasil tem objetivos claros na relação com a China. Aumentar o valor agregado das exportações brasileiras, atualmente concentradas em commodities é um deles. Há uma demanda crescente pela carne suína, bovina e de frango brasileira — motivada pela febre aftosa africana, que reduziu os rebanhos. De janeiro a outubro de 2019, o País exportou 3,86 milhões de toneladas do produto, aumento de 44% na comparação com o mesmo período do ano passado.
Outro foco é atrair investimentos em infraestrutura, fato sinalizado pelo presidente chinês Xi Jinping durante a cúpula dos Brics. A China colocou à disposição do governo Bolsonaro mais de US$ 100 bilhões de ao menos cinco fundos estatais.
O movimento desta segunda-feira (2) de Donald Trump de anunciar sobretaxa sobre o aço brasileiro e argentino, acusando os países de manipular o câmbio, foi interpretado internamente por alguns palacianos como estratégia eleitoral do presidente dos EUA. Pode, porém, resultar num movimento de aproximação de Bolsonaro com a China, embora muito esteja em jogo agora, com a ameaça americana da vez.