A eleição de 2020 foi marcada pela desproporcionalidade no valor das despesas que candidatos e candidatas tiveram para cada eleitor conquistado, com as mulheres gastando muito mais que os homens para obter votos.
Há situações nos estados em que o custo do voto em mulheres foi dezenas de vezes superior ao dos homens de um mesmo partido. É o caso do Avante no Acre (67 vezes mais), do Pros no Rio Grande do Sul (37 vezes mais) e do PTB no Ceará (23 vezes mais).
Os dados são do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e foram tabulados pelo cientista de dados Danilo Carlotti, que é pesquisador do Insper, consultor e colaborador voluntário no Ministério Público Eleitoral em São Paulo com análises que buscam encontrar suspeitas de candidaturas de laranjas.
As informações ainda precisam ser analisadas de forma mais profunda para averiguar se as candidaturas são verdadeiras ou se elas são irreais, de laranjas. Mas os dados de um desses levantamentos já foram enviados pelo Ministério Público Eleitoral em São Paulo ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), com pedido de medidas urgentes.
Essa primeira análise avaliou os gastos feitos pelos candidatos a vereadores em todas as cidades do país e se os seus padrões podiam levantar suspeitas —por exemplo, se 100% das despesas de um candidato foram usadas em um único serviço.
A outra, mais restrita, verificou, em cidades com mais de 1 milhão de habitantes, a quantidade de votos que o candidato recebeu, a indicação de que nem a pessoa votou em si mesma e a necessidade do partido de preencher a cota de gênero.
Casos em que ao menos um candidato usou todo o seu dinheiro em apenas um serviço foram registrados em 4.480 cidades, em todos os estados. O Brasil tem 5.568 municípios.
O Ministério Público aponta que esses gastos não são comuns e devem ser averiguados.
“A lógica por trás desta verificação é a de que para uma candidatura ser bem sucedida é razoável esperar que ela gaste de maneira proporcional com vários tipos de itens diferentes”, diz documento encaminhado ao presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, pelo promotor de Justiça Eleitoral de São Paulo Fábio Bechara e por Carlotti.
“Por exemplo, se material gráfico tiver sido impresso é razoável supor que será preciso que haja pessoas para distribuir este material.”
Belo Horizonte foi a cidade com mais candidatos que tiveram apenas uma despesa, seguida de São Bernardo do Campo (Grande São Paulo), da capital paulista, de Salvador e do Rio de Janeiro.
“Dos dados analisados, as discrepâncias identificadas revelam ao mesmo tempo uma possível hipótese de investigação por crime eleitoral ou infrações administrativas”, diz o ofício enviado a Barroso, que termina com um pedido de aperfeiçoamento das ferramentas de análise desses dados eleitorais.
Bechara afirma à reportagem que “quanto mais o processo de prestação de contas for incrementado do ponto de vista tecnológico, inclusive aperfeiçoado em relação ao uso de ferramentas preditivas e de cruzamento, maior a capacidade de você detectar previamente uma possível irregularidade”.
Outra análise foi feita pelo ex-vereador de Cascavel (PR) Fernando Hallberg (PDT), que se dedica à pauta anticorrupção. Ele aponta 539 candidaturas com risco de serem laranjas nas 16 cidades brasileiras que têm mais de 1 milhão de habitantes, segundo o IBGE. Brasília não possui vereadores, por isso não entra na conta.
A avaliação foi limitada aos partidos que estavam próximos ao limite dos 30% da cota de gênero. Ou seja, situações em que uma mulher candidata a menos poderia resultar na cassação da sigla toda.
O levantamento aponta 57 candidaturas suspeitas em Belo Horizonte, que também lidera a lista. Manaus aparece logo atrás, com 56.
São seguidas por uma trinca do Nordeste: Fortaleza (48), São Luís (43) e Recife (42). São Paulo é a penúltima, com 15 ocorrências. Porto Alegre teve o menor número, 8.
Em termos de partidos, PROS e PRTB lideram. Têm 37 suspeitas cada.