Em texto publicado no blog da Academia Maranhense de Letras, o jornalista e escritor Benedito Buzar conta um pouco sobre os fatos que culminaram com a adesão do Maranhão à Independência, feriado do dia 28 de julho antecipado para esta sexta-feira (26) por conta da pandemia da Covid-19.
Os maranhenses e Lord Cochrane
Na semana passada, abordei um episódio histórico, que merece ser devidamente esclarecido a respeito da verdadeira data da Adesão do Maranhão à Independência do Brasil: 20 ou 28 de julho de 1823.
Para complementá-lo, nada mais oportuno do que tratar da rumorosa participação do militar escocês, Thomas Alexander Cochrane, mais conhecido por Lord Cochrane, considerado herói e vilão, mas contratado por D. Pedro para livrar o nosso país do jugo colonialista português.
Lord Cochrane na América
O almirante escocês notabilizou-se na Marinha inglesa no período das guerras napoleônicas, nas quais ganhou fama e contratos em vários países da América do Sul, para atuar como comandante nas lutas armadas pela independência da Argentina, do Peru e do Chile, em que, na condição de mercenário a serviço da liberdade, conseguia por manobras ousadas, que pregavam o inimigo de surpresa, libertar os países do domínio da América espanhola.
Para participar dessas lutas, geralmente travadas no mar, Cochrane cobrava recursos escorchantes, que nem sempre os países podiam assumir, fato gerador de desentendimentos com os governos, que se viam sujeitos a atos de pirataria e de saques perpetrados pelo ardiloso almirante.
Lord Cochrane no Brasil
Com a missão cumprida e as relações arranhadas com os países da América espanhola, Cochrane volta as suas vistas para o Brasil.
Em 1822, D. Pedro precisava, para comandar as lutas em favor da Independência do Brasil, de um líder para ficar à frente da Marinha e enfrentar as forças portuguesas que atuavam nos Estados do Pará, Maranhão, Pernambuco e Bahia.
As negociações do governo do Brasil logo se estabeleceram com o almirante, ao qual foram feitas promessas vantajosas, destacando-se um decreto que a ele garantia “todas presas(cargas) tomadas na guerra de propriedade de quem capturar”.
A 13 de março de 1823, o almirante desembarca no Rio de Janeiro, de onde começa os preparativos para atacar os portugueses na Bahia, para o que contaria com navios precários e marinheiros despreparados para a guerra, mas graças à sua competência e experiência, derrota os portugueses, com a captura de 16 navios e 2.000 prisioneiros.
Cochrane no Maranhão
Depois de esmagar a esquadra lusitana (2 de julho de 1823), o almirante vem para São Luís do Maranhão, onde consegue derrotar os portugueses com as armas da astúcia. Conta-se como verdade que, na capital maranhense, ele hasteou a bandeira britânica, em vez das cores brasileiras. Os militares que vigiavam o porto acreditaram tratar-se de um navio inglês, neutro no conflito, e enviaram ao seu encontro um brigue com mensagens de boas-vindas. Ao subir a bordo, porém, o oficial encarregado de entregar os papéis se deu conta de que estava em um navio brasileiro. Foi imediatamente preso, mas Cochrane decidiu liberá-lo com a condição de levar uma carta ao governador das armas, Agostinho de Farias, na qual exigia a capitulação da cidade. No dia seguinte, 28 de julho, a junta do governo, já ciente da aproximação das tropas brasileiras pelo interior, anuncia a adesão da província ao império do Brasil.
Cochrane saqueia a cidade
O escritor Laurentino Gomes, revela no livro 1822, que por não receber do governo o que havia sido acertado, “depois de obter a rendição portuguesa em São Luís, Cochrane dedica-se ao saque metódico da cidade, tomando posse de um patrimônio estimado em 100.000 libras esterlinas – cerca de quarenta milhões de reais atualmente. Incluía todo o dinheiro depositado no tesouro público, na alfândega, nos quartéis e outras repartições, além de propriedades particulares e mercadorias armazenadas a bordo de 120 navios e embarcações ancoradas no porto. Na prática, o almirante tratou a capital do Maranhão como se fosse toda ela um território inimigo conquistado. Os habitantes se revoltaram, mas, sob a mira dos canhões, acabaram forçados a aceitar suas exigências, cujos bens e mercadorias aprendidos foram despachados para o Rio de Janeiro, onde Cochrane esperava que fossem confirmados como presas de guerra”.
Cocharane, o Amaldiçoado
Laurentino Gomes diz ainda que “apesar do comportamento brutal e mesquinho em São Luís, Cochrane foi recebido no Rio de Janeiro como herói nacional e agraciado por D. Pedro com a recém-criada Ordem do Cruzeiro do Sul e o título de marquês do Maranhão – decisão que soa aos maranhenses até hoje como uma ofensa”.
Foi por conta dessa auréola de herói conferida ao almirante escocês, que levou José Sarney, no cargo de presidente da República, numa visita à Abadia de Westminister, em Londres, ao aproximar-se da tumba, onde se encontravam os restos mortais de Cochrane, a pisar sob a lápide e exclamar para espanto dos que o acompanhavam: “Corsário!”
Outra manifestação irada de maranhense contra o Lord, encontra-se no livro de Astolfo Serra, intitulado “Guia histórico e sentimental de São Luís”, com o registro desse desabafo: “Cochrane foi simplesmente isto em São Luís: um autêntico pirata! Não libertou a cidade, saqueou-a brutalmente”.
Opinião de Jomar
Numa crônica de Jomar Moraes, publicada neste jornal em 28 de julho de 2010, intitulada “Nossa data cívica”, o saudoso escritor maranhense, depois de também criticar o Lord Cochrane, pelas suas espertezas e trapalhadas, “relativamente aos pesados tributos que sua rapinagem impôs à portuguesada capitalista da terra, pelo menos estava cobrando alto por seus assinalados serviços à consolidação do Império do Brasil, que não tinha recursos para lhe pagar”.
Em seguida, escreve categoricamente: “Que fique bem claro que não estou, de modo algum, cantando loas ao almirante, mas entendo que ele precisava pagar-se a si e aos seus comandados pelos serviços aqui prestados inegavelmente pela causa da Independência nacional”.
Ao término da crônica, Jomar afirma: “E então o Maranhão aderiu à Independência e ainda ofereceu, a 24 de novembro, no palacete conhecido como Solar Cesário Veras, um lauto banquete ao lord, que teria comido com um lord, dançado como um lord e como um lord feito o que no Largo do Carmo por muito tempo se comentou, embora não me lembre de ninguém que no Maranhão traga em seu nome o antropônimo Cochrane”.
Texto publicado no blog da Academia Maranhense de Letras.
Essa história sempre lembrada nas camadas cultas maranhenses do infeliz banquete oferecido pela nata da então sociedade ludovicense no suntuoso Solar Cesário Veras na Rua do Egito, esquina com o Beco do Couto, ao pirata escocês saqueador da cidade, é de lascar! Só denota desde então a subserviência interesseira das elites do Maranhão a quem massacra o povo.
Artigo valioso. Parabéns aos Prof. Buzar e ao nosso saudoso Prof. Jomar.
Abraços uemianos.
vlw!