Por José Sarney
Na noite da agonia de Tancredo colocaram o dilema político de quem devia assumir a Presidência da República. A minha decisão de só assumir com Tancredo Neves é de todos conhecida. Alguns segmentos políticos pensavam que deveria ser o Ulysses Guimarães. Mas este, como grande homem público, encerrou a discussão tendo comigo o seguinte diálogo, tantas vezes repetido: “Não assumo porque a Constituição determina que é o Vice-Presidente”, e incisivamente me disse: “Sarney, não queira criar caso, lutamos para chegar até aqui, você não tem o direito de nos criar agora qualquer dificuldade. A Constituição determina que é você que deve assumir a Presidência.”
Assim fui Presidente pela força da Lei Maior: a Constituição.
Participei, por vezes como figurante, algumas vezes como protagonista durante mais de um terço do tempo da construção de nossa democracia, que começou em 1822. A Independência foi o primeiro passo bem-sucedido para escaparmos não só da condição colonial — que formalmente deixáramos em 1815 —, mas também da autocracia a que fôramos submetidos por mais de 300 anos. A obra dos nossos fundadores, sintetizados na figura de José Bonifácio, é a de instituir um país sob a regência da Lei, um Estado de Direito. A herança de 1822 é a Constituição de 1824.
O mesmo espírito inspirou os construtores das Cartas Constitucionais de 1892, 1934, 1945. Houve retrocessos, como a Constituição do Estado Novo. Vi o suicídio de um Presidente acuado por grave crise governamental. Vi, já Deputado, um Ministro da Guerra colocar tanques contra um Presidente desarmado. Vi a resistência de Juscelino Kubitschek a levantes armados. Vi, de muito perto, o desastre da tentativa de Jânio Quadros de sobrepor sua vontade à do Congresso Nacional por intermédio de hipotéticos “braços do povo”. Parlamentarista, vi a imposição, contra meu voto, de um parlamentarismo que era uma simples diminuição do mandato de João Goulart.
Durante a transição para a democracia coube-me a tarefa, honrosa e patriótica, de Comandante em Chefe das Forças Armadas. Com elas estabeleci duas diretrizes: a de que, devendo todo comandante zelar por seus subordinados, cabia-me defender as Forças Armadas — e isso o fiz, garantindo que não se fizessem contra essa Instituição vendetas ou diminuições; em segundo lugar, afirmei que a Transição Democrática seria feita com as Forças Armadas, e não contra elas.
Faz 34 anos. Nunca, em nossa História, tivemos tanto tempo de regime democrático sem um pronunciamento militar. O respeito que juramos à Constituição tem nele seu ponto basilar, cabendo ao Supremo Tribunal Federal a sagrada missão de ser seu guardião (art.102 da Constituição Federal).
Assim, como testemunha e protagonista da História da Democracia no Brasil, peço que lembremos Rui Barbosa: “Fora da lei não há salvação”.