Descriminalização do consumo de drogas: decisão do STF reflete mudança de paradigma

Por Thiago Brhanner

A questão da criminalização do consumo de drogas tem sido motivo de grande preocupação na sociedade. Além dos reflexos da violência, o problema de saúde pública relacionado ao uso de entorpecentes parece se agravar a cada dia. É importante abordarmos essa temática de forma mais ampla, buscando soluções que priorizem a prevenção, o tratamento e o amparo social aos afetados pela dependência química. Inspirados pela experiência de Portugal, onde a descriminalização trouxe resultados positivos, podemos refletir sobre a necessidade de adotar abordagens mais humanitárias e educacionais, como já sugeriu o escritor Victor Hugo: “Quem abre uma escola, fecha uma prisão.” Vamos explorar alternativas que tornem nossa sociedade mais segura e acolhedora para todos.

Foi com essa preocupação que, em 2019, publiquei em Portugal, no livro “Aspectos Polêmicos do Direito Penal Luso-Brasileiro”, o artigo “Descriminalização do consumo de drogas”, no qual concluí que “Portugal trilhou um caminho louvável em sua política de drogas, que serve como modelo para muitos outros países, descriminalizando o consumo sem despenalizar”.

Penso que tal modelo pode servir de parâmetro para o tratamento da questão brasileira por diversos motivos, notadamente porque a dependência química e o consumo de drogas têm sido um desafio social em todo o mundo, suscitando debates e questionamentos sobre as políticas adotadas pelos Estados para enfrentar esse problema. No Brasil, a discussão ganhou destaque no Supremo Tribunal Federal (STF) com o voto do ministro Alexandre de Moraes a favor da descriminalização do porte de maconha para consumo pessoal. Essa decisão reflete uma mudança de paradigma na abordagem do tema, buscando uma política mais humanitária e baseada na saúde pública.

O julgamento em questão trata do processo que discute a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas, de 2006, que tipifica como crime o porte de drogas para consumo pessoal. Com o voto de Moraes, que propõe um critério para diferenciar usuários de traficantes, estabelecendo uma quantidade específica de maconha para caracterizar o consumo pessoal, são agora quatro os votos favoráveis à descriminalização, incluindo os votos de Edson Fachin e Roberto Barroso em 2015, além de Gilmar Mendes, que votou para descriminalizar o porte para consumo de todas as drogas, sem especificação.

A proposta de Moraes busca garantir uma aplicação isonômica da lei, evitando discriminação e priorizando uma abordagem de saúde pública em relação aos dependentes químicos. O ministro argumenta que é necessário estabelecer critérios para diferenciar o usuário do traficante e que a fixação de uma quantidade específica de droga apreendida não deve ser o único critério considerado. Ele também enfatiza que a abordagem atual da Lei de Drogas não atinge a todos de forma igualitária, resultando em consequências distintas para pessoas em situações idênticas, muitas vezes relacionadas a fatores sociais, de idade ou de instrução.

Essa decisão do STF está em linha com a política adotada por Portugal no início deste milênio. O país optou pela descriminalização do consumo e posse de drogas para uso pessoal, buscando uma abordagem mais humanitária e centrada no tratamento médico e no amparo social aos dependentes. A experiência portuguesa mostrou resultados satisfatórios, desencorajando o uso excessivo e reduzindo os índices de criminalidade relacionados às drogas.

O ministro Alexandre de Moraes destacou que a aplicação da Lei de Drogas no Brasil aumentou o número de presos por tráfico de drogas, o que gerou “um exército para as facções criminosas”. A decisão de descriminalizar o porte de maconha para consumo pessoal tem como objetivo desincentivar o tráfico, priorizando o tratamento e a recuperação dos usuários. O ministro ressaltou que a fixação de uma quantidade específica de droga para caracterizar o consumo pessoal busca garantir a aplicação justa da lei, sem levar em conta a cor da pele, classe social ou outros fatores, assegurando a igualdade de tratamento para todos os cidadãos.

Essa mudança de abordagem no combate às drogas reflete princípios importantes, como o humanismo, a cooperação internacional, o pragmatismo e a participação popular, semelhantes àqueles que embasaram a política portuguesa de drogas após a descriminalização. Ambas as medidas têm como objetivo preservar a dignidade da pessoa humana e garantir a efetivação dos direitos fundamentais. O tema permanece em debate no Brasil, e o entendimento firmado pelo STF nesse julgamento poderá influenciar casos similares em todo o país, assim como a política de combate às drogas em geral. A busca por uma abordagem mais humanitária e efetiva no enfrentamento da dependência química continua a ser um desafio para as sociedades em todo o mundo. Thiago Brhanner é Mestre em Direito pela Universidade Autônoma de Lisboa.

Um comentário em “Descriminalização do consumo de drogas: decisão do STF reflete mudança de paradigma

  1. Mais uma usurpação de poder do STF,isso é competencia exclusiva do poder Legislativo que,para surpresa de todos o Presidente do Congresso(Sen.Pacheco) ontem se pronunciou sobre o tema,criticando o STF.

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