REFORMA TRIBUTÁRIA: Por que e para quem?

Por: Felipe Costa Camarão e Marcellus Ribeiro Alves.

Tivemos a oportunidade de realizar no Maranhão, entre os dias 04 e 05 de julho deste ano, a reunião nacional do CONFAZ – Conselho Nacional de Política Fazendária -, órgão deliberativo e de assessoramento do Ministério da Fazenda.

Neste encontro o tema mais destacado foi a proposta de reforma tributária, que pode modificar o rumo da economia e a própria situação dos cidadãos brasileiros.

Neste artigo, pretendemos apresentar um diagnóstico das dificuldades estruturais do sistema tributário nacional e evidenciaremos de que forma a reforma tributária enfrenta estes desafios, bem como suas possíveis consequências.

O primeiro problema é a complexidade do sistema tributário nacional: são 27 regulamentos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS); mais de 5 mil regulamentos do Imposto sobre Serviços (ISS), entre inúmeros outros ativos normativos diários.

Neste aspecto, a reforma proposta simplificará o sistema, reduzindo custos operacionais e de conformidade das empresas, ao unir o PIS, a COFINS e o IPI, ao criar a Contribuição sobre Bens e Serviços, de competência da União.

Por outro lado, unifica o Imposto sobre Serviços (de competência dos municípios) com o ICMS (de atribuição dos estados), reduzindo o grau de complexidade da tributação sobre o consumo e permitindo maior transparência. Aqui há um avanço significativo.

Outro desafio, desta vez maior que a complexidade tributária, é em relação ao federalismo fiscal brasileiro, que é a distribuição de divisão de atribuições entre os entes, bem como das fontes de recursos e da repartição da receita tributária. Neste passo, anota-se que 69% das receitas tributárias pertencem à União, 24% aos Estados e somente 7% aos Municípios.

Esta centralização traz como consequências: perda de autonomia dos entes subnacionais, redução da oferta de serviços à população e incremento de práticas autônomas dos governos regionais e locais incompatíveis com o interesse nacional.

Não se pode cravar que a reforma proposta irá reduzir a concentração de recursos em poder da União. No entanto, se pode afirmar que há um passo significativo para reduzir as desigualdades regionais ao instituir a tributação no destino.

O terceiro e maior problema é, sem dúvidas, a regressividade, que é a cobrança desproporcional de mais tributos sobre quem ganha menos, em razão de uma opção desmedida sobre a imposição de impostos e contribuições sobre o consumo.

Não é recente no país o debate sobre o tamanho da carga tributária nacional. Costuma-se afirmar que temos a maior do mundo e que este é um dos nossos grandes problemas, o que não é verdade.

Alertamos que este debate reiterado, sistemático e proposital sobre o tamanho da carga tributária, sua quantidade, ardilmente sonega uma análise que deve ser mais profunda sobre a iníqua qualidade da carga tributária, isto é, sobre quem a suporta, efetivamente.

A discussão centrada exclusivamente no tamanho da tributação no país é funcional aos que negam a garantia dos direitos fundamentais e a própria dignidade da pessoa humana, contribuindo para atestar e legitimar a injustiça fiscal, ampliando as desigualdades sociais e aumentando o fosso das disparidades regionais.

Na Dinamarca e Suécia, a tributação está acima de 50% do PIB, ao passo que no Brasil passa um pouco de 30%[1]. Você trocaria as condições de vida no nosso país pela oferecida nos países escandinavos? Então, qual é mesmo o problema?

Para não nos alongarmos, o Brasil fez uma opção política no passado para tributar mais pesadamente o consumo. Há mínima tributação da propriedade (cerca de 4,5%), baixa tributação da renda (18%) e elevadíssima tributação sobre o consumo (cerca de 52%).

Esta tributação sobre o consumo faz com que se onere, desproporcional e desigualmente, a população de baixa renda, em relação às classes mais ricas.

À guisa de constatação, estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)[2] evidenciam que, em 2009, as famílias com renda mensal superior a 30 salários mínimos têm que trabalhar somente 106 dias por ano para pagarem seus tributos, ao passo que aquelas que ganham até 2 salários mínimos têm que trabalhar 197 dias, o dobro do tempo, portanto, das classes mais abastadas.

A constatação eleva-se, absurda e constrangedora: a tributação no país não foi direcionada para a redução das desigualdades sociais.

Mais ainda, despudoradamente, em vez de diminui-la, aumentou a desigualdade, a partir de meados da década de 90, num Robin Hood às avessas, a partir de mecanismos infraconstitucionais.

A reforma tributária proposta também enfrenta esta anomalia. Uma das medidas anunciadas estabelece a restituição de parte do imposto pago pelas famílias de baixa renda, uma espécie de “cashback do imposto’ pejorativamente intitulada de “cashback dos pobres” por parte da mídia nacional.

Trata-se de política pública já adotada no Maranhão desde janeiro de 2019, quando, por proposta do Governador Flavio Dino, criou-se, por meio da lei estadual 10.956/2018, o Cheque Cesta Básica.

O objetivo do programa foi transferir para as famílias maranhenses de baixa renda, por meio de programas sociais, o valor arrecadado do ICMS sobre a venda de produtos da cesta básica, quais sejam, arroz, feijão, farinha, frango, ovos e carne bovina, desde que as gestantes comparecessem às consultas de pré-natal e puericultura, com o objetivo de contribuir com a redução da mortalidade infantil no Estado do Maranhão.

Os resultados superaram as expectativas. A taxa de mortalidade infantil, que era de 16,48 por mil nascidos vivos em 2013, foi reduzida para 14,28 só no primeiro ano do programa (2019); depois nova queda para 13,64 em 2020. Em 2021 já era de 13,44 por mil nascidos vivos e, em 2022, consagrando a eficiência da política pública, o efeito foi o melhor da série, com apenas de 12,84 óbitos infantis por mil nascimentos[3].

Assim, lembrando Ferreira Gullar, e para quem não quer se espantar com a nossa outra parte que não almoça nem janta, procuramos ativamente traduzir em políticas sociais, que enfrentaram a insegurança alimentar e a mortalidade infantil, a partir de uma menor regressividade do ICMS.

*Felipe Costa Camarão é Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Maranhão, é também mestre em Direito pela mesma instituição e doutor em Ciências pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Procurador Federal de carreira e, atualmente, vice-governador do Maranhão e secretário de Estado da Educação.

*Marcellus Ribeiro Alves é Bacharel em Economia e em Direito. Especialista em Direito Tributário. Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil e atualmente Secretário de Estado da Fazenda do Maranhão.

NOTAS:

[1] Fonte primária: Receita Federal do Brasil.

[2] Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Brasília, 2009. Disponível aqui. . Acesso em 20/03/2024.

[3] FONTE: Secretaria de Saúde do Estado.

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