O “preconceito linguístico” e a regulação pelo mercado

Quanto mais sei do conteúdo do livro “Por uma vida melhor”, que o MEC distribuiu a 500 mil alunos das turmas do Ensino de Jovens e Adultos (EJA), mais me convenço de que o Governo Federal entrou numa roubada.

O argumento principal dos autores do livro – que considera normal falar e escrever “Nós pega os peixe”, ou “Os menino pega os peixe” – é o de que o que vale, primordialmente, é a comunicação e que, assumindo como natural a norma inculta, combate-se o que se convencionou chamar de “preconceito lingüístico”.

Ora, mas de que valerão nossas escolas, então, se o importante é só se comunicar, fazer-se entender? Para isso não há necessidade de escola. A comunicação começa desde os primeiros meses de vida, isso é fato. E eu nunca ouvi dizer que uma mãe não sabe quando um bebê quer leite, ou está com dor de barriga.

Ele se faz entender; comunica-se, portanto.

Mas isso basta?

É claro que não.

E não basta porque a sociedade precisa de bem mais do que isso. O desenvolvimento tecnológico e social que vivenciamos hoje não veio pelas mãos de quem fala “Nós pega os peixe”.

Mais do que ensinar a se comunicar, nossas escolas precisam formar cidadãos capazes de criticar a realidade em que vivem, para modificá-la para o bem da humanidade.

Se nos encerrarmos num protecionismo barato dos que – sei lá por que razões – não conseguem assimilar a norma culta, estaremos tão somente fazendo apologia à mediocridade. E quem pagará por isso serão os próprios protegidos de hoje.

Sim, porque se o governo e a sociedade, em certa monta, resolverem dar guarida a quem não se alfabetiza corretamente, o mercado não os poupará. Principalmente num país em que há mais de 1 milhão de postos de trabalho não ocupados, simplesmente porque falta qualificação técnica suficiente para isso.

O mercado quer qualidade, e alta, por sinal. O mercado quer pessoas capazes de pensar e de se expressar corretamente. No bate-papo do dia-a-dia, podem-se aceitar deslizes de toda ordem, mas no ambiente corporativo isso é condenado.

E quem fala “Os menino pega os peixe”, não chegará lá nunca. Simplesmente porque não passará em uma entrevista sequer, em uma prova de redação. Mas, se passar, ocupará sempre os postos mais baixos, porque o mercado regula isso, naturalmente. E é implacável na delimitação de espaços.

Ou você já viu, caro leitor, um PhD que só conseguiu ser gari e um semi-analfabeto que tornou-se presidente de uma grande corporação?