“Precisamos de uma nova polícia”, diz sociólogo

Para o sociólogo, governo precisa assumir posição de liderança no combate à violência (Foto: João Castilho/Folhapress)

Da Veja

O sociólogo Claudio Beato estuda o fenômeno da escalada da violência no país há mais de duas décadas. Professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), comanda o Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública. Ele defende profundas reformas na gestão da segurança – o que, ressalta, implica necessariamente alterar a Constituição. “Hoje, somos obrigados a ter Polícia Militar e Civil. O resultado é que temos duas polícias que não somam uma e não dialogam”, diz. Para realizar a necessária reforma, o especialista diz que o governofederal precisa exercer uma posição de liderança, que incluiria mais investimentos em capacitação e inteligência. “Policiais em outros países têm sido formados para a compreensão da complexidade do fenômeno criminal”, afirma, acrescentando que a legislação brasileira privilegia a impunidade. Confira a seguir a entrevista do sociólogo a VEJA.com.

O Brasil tem índices altos de homicídios, considerados endêmicos pela Organização Mundial de Saúde. Como o governo federal pode atuar para diminuir a violência no país?
De diversas maneiras. Em primeiro lugar, exercendo uma liderança estratégica nas mudanças políticas necessárias no sistema de Justiça e segurança. Um exemplo urgente: encampar reformas das polícias, o que implica mudanças constitucionais. Eu chamo de desconstitucionalização da segurança pública, porque é preciso tirar da Constituição o capítulo que trata das polícias. Hoje, somos obrigados a ter Polícia Militar e Civil. O resultado é que temos duas polícias que não somam uma e não dialogam. Isso foi resultado de um lobby na Constituinte de 1988 e que engessou a segurança pública. Essas mudanças também podem ocorrer pela indução de reformas institucionais e organizacionais nas polícias, sistema prisional e Justiça. Em segundo lugar, o governo federal tem capacidade de financiamento que pode suplementar recursos e induzir mudanças importantes nos estados e municípios. Também cabe a ele introduzir inteligência no sistema, através da organização de informações e análise de dados, bem como a utilização de tecnologias para o manejo de dados e preparo de profissionais de segurança pública aptos a esses novos modelos.

O que falta no Brasil: policiais ou eficiência na investigação?
Precisamos de policiais com perfil diferente daquele de que dispomos no Brasil hoje. Policiais em outros países têm sido formados para a compreensão da complexidade do fenômeno criminal, com habilidade para identificar padrões e analisar dados de diversas naturezas e serem capazes de incorporar esse conhecimento no planejamento e investigação policial. Nossas polícias são extremamente corporativas e ainda estão apegadas a orientações bacharelescas ou militarizadas. Pior: por determinação constitucional são divididas em duas, e com uma baixa propensão a compartilhar dados e informações. Isso termina comprometendo tanto a capacidade investigativa como o policiamento ostensivo. Outra questão fundamental é a formação de massa crítica em criminologia que vai estudar, mas também gerir projetos aplicados em segurança pública. Atualmente, o Brasil não dispõe de nenhum curso de mestrado ou doutorado para a formação específica em pesquisa e gestão da segurança pública. Os Estados Unidos têm mais de 50 cursos de doutorado e 150 de mestrado em criminal justice.

Que medidas deram certo em outros países e podem ser adaptadas para o Brasil?
Podemos começar com os processos de reengenharia institucional, tal como ocorreu nas polícias de Nova York ou Los Angeles, especialmente no preparo de profissionais que saibam gerir as ferramentas de análise e informação para fins de gestão e aferição de resultados das atividades policiais. Temos também projetos pontuais de controle de violência de gangues feitos anteriormente em Boston, ou o projeto atualmente desenvolvido pelas escolas de Chicago, onde são identificadas através de análise estatística as vítimas em potencial da violência, com o intuito de evitar que elas se tornem vítimas. É o uso de ciência para intervenção. Da Colômbia, especialmente em Bogotá, Medellín e Cali, podemos tomar os projetos sociais somados à reestruturação das polícias e reformas legislativas. A Polícia Nacional da Turquia está atualmente num processo de qualificação de seus policiais, mantendo mais de cem deles fazendo cursos de doutorados nos principais centros de criminologia do mundo.

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