Jurista diz que Magno Linhares “fez a coisa certa” ao soltar Lidiane Leite

O juiz que fez a coisa certa! Mídia e moral não são fontes de Direito

Por Lenio Luiz Streck, no Conjur

Abstract: O que é fazer a coisa certa no direito? Como as correntes criticas percebem o direito? Tudo se resume à decisão ou a doutrina tem alguma “chance”?

magno linharesNo painel do qual participei no congresso do IBCCRIM em agosto, chamei a atenção para a necessidade da construção de uma teoria da decisão — tecla na qual bato de há muito. Sei que esse assunto desagrada parcela considerável de juristas. Alguns, por ignorância (no sentido deignorare, portanto, sem ofensa), não se dão conta de que o problema do protagonismo judicial (vitaminada por discricionariedades, livre convencimento etc.) é um problema da própria democracia; outros atendem a uma espécie de razão cínica, sendo subdidividos em grupos. Assim:

Há (1) os que são contra porque acham que “isso é assim mesmo” e que não temos como fugir do solipsismo (e suas derivações ou vulgatas), contentando-se em lidar com isso a partir de uma falácia naturalista; há (2) também os que são assumidamente pragmati(cis)tas, achando que cada decisão é um grau zero de sentido e que o importa mesmo é “resolver problemas” (resolvem um problema e criam dezenas); existem (3) ainda aqueles que não concebem que o direito tenha um elevado grau de autonomia; para estes, tudo vira sociologia,[1] economia ou política, estando ali enquadrados adeptos de um certo tipo de marxismo[2] baseado, grosso modo, em Althusser[3], outras correntes críticas não-marxistas (alguns sistêmicos que não entenderam corretamente Luhmann também cometem esses equívocos) e aqueles que Lyra Filho chamava de positivistas psicologistas, que, segundo ele, desempenham o papel de inocentes úteis, porque neles o “espírito do povo” não fica pairando na sociedade: baixa na cuca de um ou mais sujeitos privilegiados e pretendem (a) haver descoberto o “direito livre” dentro de suas “belas almas”, revelando um “sentimento do direito” (pensemos nos pamprincipilogistas atuais); ou (b) que deferem aos juízes, como no judge-made law (o direito criado pela magistratura), de certas ideologias norte-americanas, o poder judicial de construir normas (escopos processuais, livre convencimento etc.), além e acima do que está nas leis: um direito mais rápido, “realista” (tudo está na decisão) e concreto do que o dos códigos.

Estes últimos três grupos dizem que a busca da construção de uma teoria da decisão é bobagem, porque-as-forças-sociais (e outros componentes, como os psicológicos etc.) derrubam qualquer possibilidade disso. Algo como “somos terceiro mundo e, de fato, pouco resta para o direito fazer…”. Ou “alguém tem de decidir e temos de apostar nesse sentimento de busca de justiça”. De minha parte, permito-me dizer, ironicamente, como contraponto crítico:Ora, nem sei porque ainda existem pesquisas no e sobre o direito. Poderiamos, na visão de parcela dos (próprios) juristas, transformar os cursos de direito em cursos de economia política, relações de poder,[4] gestão, estrategia, etc. O que (inter)liga esses três grupos? Simples e complexo. Mas, em uma frase, o fio condutor é o fato de que transferem o polo de tensão do direito para a decisão. Pronto. O problema é que, ao fazerem isso, correm o risco de se transformar em profetas do passado, como se o tempo fosse uma sucessão de agoras.

É certo que não podemos desconsiderar a práxis, como se o direito fosse bando de conceitos sem coisa. Também é certo que a falta de pesquisas empíricas tende a gerar uma doutrina vazia, puramente especulativa. Mas o outro extremo, a “empiricização”, pode levar a um direito cego, sem imaginação institucional, sem horizonte. Uma pessoa sem horizontes é aquela que não consegue ver nada além das coisas imediatas. Ela diz: “é assim mesmo”.

A Crítica Hermenêutica do Direito é uma das matrizes jurídicas que tenta acabar com esse abismo entre teoria (vazia) e prática (cega). A Teoria não nasce do céu dos conceitos, desenhada numa prancheta, pois é desde sempre mergulhada no mundo prático. Só que a prática também não existe “em si”, mas articulada num universo interpretativo. Sendo assim, a Teoria também importa! Precisamos dela para organizar os sentidos, para projetar um horizonte. Para resumir de um modo simples: a ambição descritiva não pode sufocar a prescritiva.

Já escrevi muito sobre isso. Portanto, neste espaço, não posso explicitar no que deve consistir uma teorização acerca do que seja uma decisão adequada a Constituição (por que será que estou falando em Constituição? E de Direito? Isso é importante? Deixa prá lá; talvez porque eu seja…jurista e não sociólogo ou engenheiro ou economista ou psicanalista…). Contento-me, para os objetivos desta coluna, em dizer que uma decisão deve ser dada por princípio e não por políticas; nem por moral(ismos)…! (ver aqui).

Fundamentalmente, deve-se evitar que a decisão seja dada por ideologia, subjetividade ou por interesses pessoais (espaço em que entra o sujeito solipsista mais especificamente — sim, aquele “sujeito-viciado-em-si-mesmo e que continua infernizando o que resta da modernidade). Mas, tranquilizemo-nos: O juiz não é uma figura inerte, neutra. Não, não quero — e jamais pretendi — proibir os juízes de interpretar, como alguns, equivocadamente, vivem apregoando. Portanto, não há dúvida de que pulsa um coração no peito dos juízes. Não é disso que se trata. Tenha-se claro, mas muito claro mesmo, que discutir teoria da decisão não tem absolutamente nada a ver com o repristinamento do juiz boca da lei ou outras coisas rasas como essa. E não percamos mais tempo com essas aleivosias.

Sigo. Para exercitar minha LEER: se o direito tem um grau de autonomia e se temos uma Constituição normativa — portanto, ela é lei — estão temos que construir as condições epistêmicas para que uma decisão não seja fruto de opiniões pessoais ou por influencias políticas, econômicas ou da mídia. Trata-se de discutir a democracia. Mídia não é fonte de direito! Não creio que Habermas, Dworkin, Hart etc. tenham escrito inutilmente sobre o direito e mereçam o desprezo de um certo imaginário refém do senso comum teórico ou até mesmo caudatário de teorias criticas “espertas”, que trazem a novidade tipo “direito é poder; direito é superestrutura; direito é valor”. Parabéns pela descoberta política-econômica-sociológica-moral. Eu achava que o direito era neutro…

Digo tudo isso para mostrar que é possível fazer a coisa certa no direito, contra tudo e contra todos. Se quisermos brincar com a filosofia moral exercitada por autores como M.Sandel, que pergunta acerca de como se pode fazer a coisa certa, podemos afirmar que, sim, é possível colocar a moral pública acima da moral privada,. Aliás, Wittgenstein já dissera de há muito que não há linguagem privada. Ou seja: minha opinião privada não pode tiranizar ou pautar a esfera pública, mormente “se eu for um agente político, com responsabilidade política”.

Tudo isso para falar da decisão do juiz federal atuante no Maranhão, José Magno Linares Moraes, que determinou a soltura da “famosa” ex-prefeita (Bom jardim-MA) que fez sucesso no Youtube, Lidiane Leite da Silva (leraqui). Contra toda a opinião pública e o decreto de custódia do tribunal, ele deu uma bela demonstração de que é possível decidir por princípio (embora a decisão cometa um equívoco na interpretação do que seja o juiz Hércules, mas isso não obscurece o brilho da sentença). Disse o juiz:

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3 pensou em “Jurista diz que Magno Linhares “fez a coisa certa” ao soltar Lidiane Leite

  1. Com todo o respeito ao autor do artigo, professor e jurista Lênio Streck, mas seu texto, ao pretender afastar o subjetivismo das decisões, pela aplicação pura e simples de uma pretensa legalidade neutra (como princípio ou como regra?), acaba por cair no mesma vala do subjetivismo, pois qualquer pessoa que toma conhecimento de uma situação ou fato e, diante desse conhecimento, precisa formular um juízo, acaba por fazer escolhas (subjetivas, portanto) que o levarão a formular sua decisão. Logo, a questão não é o subjetivismo, mas sim que valores, por anseio social, devam ser defendidos e escolhidos pelas instituições na defesa de tais anseios. A Lava Jato é um exemplo revelador da aplicação dessas escolhas e ninguém ou quase ninguém vem a público reclamar ou justificar antecipadamente do porquê de determinadas decisões tomadas, mesmo sendo elas contrárias à disposições literais de lei (isso também é aplicação da legalidade, não é mesmo?). Não se faz aqui defesa ou acusação da Lava Jato, mas apenas se lhe toma como exemplo para ilustrar a relativização do processo de tomada de decisões do Judiciário, no particular. Se foi certa ou errada a medida, bom, façamos essa pergunta aos principais interessados (ex-gestora e comunidade), no contexto dos valores sociais e individuais defendidos e violados. Quanto ao Judiciário, este não está sujeito a esse critério de julgamento, de certo ou errado.

  2. Se fosse ladra de galinha, ainda hoje estaria detrás das grades e nenhum jurista faria uma exposição tão bem fundamentada, pra dizer, ela deve ser solta ! kkkk Eita Brasil ! Eita Justiça !

  3. Boa tarde nobre amigo! Chegamos ao meio do mês de novembro, e consequentemente nosso prazo vem se esgotando, tendo em vista que só faltam 05 (cinco) meses para o final da validade do concurso de servidores do TJMA 2011. Como as convocações não vem acontecendo, pelos problemas orçamentários que o TJ vem enfrentando, visualizamos uma saída, que seria uma nova prorrogação do concurso. Isso permitiria que o Tribunal tivesse mais tempo para executar as convocações e daria mais esperança aos aprovados que aguardam ansiosos por uma chance de ingresso no serviço público. Destacamos que não haveria prejudicados, pois não existe edital para um novo concurso, sendo assim, o Tribunal não teria gastos em realizar um novo certame, e nós passaríamos a contar com um tempo maior para futuras convocações. Estaremos postando agora de maneira semanal, e contamos com a ajuda/compreensão para que possamos utilizar seu espaço – como já temos feito nos últimos meses – para a divulgação semanal de nossa causa e possível solução! Gratos pela oportunidade!

    Segue a Lista dos aprovados dos Comissários de Justiça para São Luis-MA:

    Comarca: São Luis

    ANGELO CRUZ ALMEIDA DE SOUSA
    CAROLINA DOS SANTOS MENDONÇA LIMA
    RICARDO BRUNO BECKMAN SOARES DA CRUZ
    CAROLINE DE OLIVEIRA RABELO
    CARLOS OTÁVIO FREIRE FRANCO
    ÍTALO COELHO ALBUQUERQUE
    FERNANDO JOSÉ ANDRADE SALDANHA
    GABRIELA CARVALHO RIBEIRO
    MÁRCIO HENRIQUE ALMEIDA PORTELA
    RODOLPHO SILVA OLIVEIRA
    MÁRIO GONZAGA MATOS DOS REIS JÚNIOR
    CÁSSIA ELENE BORRALHO DOS SANTOS
    PÂMELA ALESSANDRA BORGES DE SOUSA
    LEANDRO SALDANHA DE ALBUQUERQUE
    JAMILLE BARROS CAMPELO
    HEIDY KELLEM SOUSA
    VANESSA CRISTINA RAMOS FONSÊCA DA SILVA
    DIEGO SANTA BRIGIDA CUBA
    DIEGO CARVALHO DE SOUSA
    THIAGO DE SOUSA
    DIANA DOS SANTOS TELES
    FERNANDA PROTÁSIO VERAS
    BETHANIA BELCHIOR COSTA
    PAULA CRISTIANE SALDANHA VIANA
    RAÍSSA MOREIRA LIMA MENDES
    WESCLEY PAZ SOUSA
    CARLA CHRISTINA DA SILVA ALLEN
    NEILA MARILDA SOARES MORAES
    CÁCIA SAMIRA DE SOUSA CAMPOS
    FRANCISCO LEONARDO SILVA JUNIOR
    JULIO CÉSAR NEVES SANTOS
    LUIS GUILHERME BITTENCOURT SILVA
    PATRÍCIA CASTELO BRANCO AZEVEDO
    SHIRLEYANNE DA SILVA BRITO
    WELISSON FERNANDO MORAES DE SOUSA
    WEBER DE RIBAMAR PENHA CORREA
    RAILSON CASTRO DE SOUZA
    ROGÉRIO DE LIMA REIS ARAÚJO
    SUELEN MARIA RODRIGUES SOUSA
    THAÍSA HELENA PEIXOTO CASTELO BRANCO
    MARCELO RODRIGUES ERICEIRA
    LEONARDO JOSÉ DIAS CORDEIRO
    AESKA DAMASCENO GUIMARÃES
    GLEYCIANNE ARAUJO ALVES
    GRACIELLE CRISTINA LIMA PEREIRA
    JAILSON DOS SANTOS COSTA

    Aproveitando, levantamos que, a questão da espera por convocações, não é apenas do nosso cargo – existem comissários em outras comarcas – , mas também dos Analistas, Técnicos e Auxiliares.
    Desde já, agradecemos o espaço.

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