Agência Estado
Depois do recesso de final de ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) retoma na quarta-feira, 2, as sessões plenárias com um julgamento aguardado por dirigentes partidários para destravar negociações do tabuleiro eleitoral. Os ministros vão bater o martelo sobre a criação das federações partidárias, novidade instituída pela Lei dos Partidos Políticos, e sobre os prazos para a aglutinação das legendas interessadas em somar esforços já para a disputa de 2022.
As federações partidárias exigem dos partidos atuação única, como se fossem uma só sigla, por no mínimo quatro anos. O mecanismo interessa sobretudo a legendas menores, ameaçadas pela cláusula de desempenho, que condiciona o acesso ao fundo partidário e ao tempo de TV a um mínimo de votos nas eleições. Por terem abrangência nacional, – ao contrário das coligações, que têm alcance estadual e são desfeitas após as eleições –, as federações dependem de negociações mais robustas e da superação de divergências ideológicas e locais.
Além da dificuldade de alinhamento, a proximidade das eleições é outro fator que ameaça a formação das federações. Em princípio, o prazo para formalização termina em abril, conforme determinação do ministro Luís Roberto Barroso, relator do processo no STF. Embora a lei autorize as aglutinações até a ‘data final do período de realização das convenções partidárias’, Barroso concluiu em decisão liminar que, por isonomia, as federações devem obedecer ao mesmo prazo de registro dos partidos no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que é de seis meses antes das eleições. A extensão do prazo, apenas para o pleito de 2022, foi solicitada pelo PT na semana passada.
“O que se pretende demonstrar é a dificuldade de as agremiações partidárias se adaptarem a tão curto período disponível para a sedimentação de todas as conversas necessárias à constituição de uma federação partidária. Não há dúvidas que, para os próximos pleitos, os prazos estipulados pela decisão na ação de controle de constitucionalidade, bem como a Resolução formulada por esse e. Tribunal são justos e bem coordenados junto ao cronograma eleitoral”, escreveu o partido.
Ao Estadão, a advogada e juíza do Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão Anna Graziella Santana Neiva Costa diz acreditar que um dos pontos a serem enfrentados pelo STF no julgamento é o fato de uma lei ordinária (a que criou a federação) ter alterado um artigo da Constituição. Em sua avaliação, apenas uma emenda constitucional poderia ter instituído as federações. A diferença é que, enquanto as leis ordinárias exigem maioria simples para serem aprovadas no Congresso, as Proposta de Emenda à Constituição (PECs) demandam votação em dois turnos e quórum mais robusto, de três quintos dos dos deputados (308) e dos senadores (49).
“A Constituição Brasileira é a norma mais relevante do ordenamento jurídico brasileiro, e o seu artigo 17, dispõe claramente: “ é livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos”. É possível constatar que a norma constitucional não prevê “federação”. Logo, por tratar-se de norma de estatura constitucional, eventual alteração em seu texto só poderia ser feito mediante projeto de emenda constitucional”, explica.
“Para exemplificar essa assertiva, parece válido destacar que foi por meio da emenda constitucional 52 que as coligações proporcionais e majoritárias foram inseridas na norma. Na mesma toada, foi a EC 97/17 que vetou as coligações partidárias nas eleições proporcionais”, acrescenta.
Sobre o mérito do julgamento, a especialista lembra que o Supremo Tribunal Federal vem mudando o entendimento sobre a redução no número de partidos registrados no País. Em 2006, os ministros chegaram a derrubar a cláusula de barreira, ao argumento de que a regera afrontava o direito das minorias e o princípio da igualdade de chances ou oportunidades, em um dos julgamentos mais controversos da Corte em matéria eleitoral.
“O pluripartidarismo e a liberdade partidária também foram amplamente citados”, rememora a especialista sobre a votação, que foi unânime.
Desde então, os ministros Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes já defenderam publicamente o dispositivo, que foi restabelecido pelo Congresso via emenda constitucional em 2017.
“O tempo provou que a cláusula de barreira não é uma afronta ao pluripartidarismo e não invisibilizará os direitos das minorias”, defende a juíza eleitoral.
Esvaziamento
O tema das federações foi levado ao STF pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), que questiona a constitucionalidade da mudança, sob o argumento de que a ela viola a autonomia dos partidos e os sistemas partidário e eleitoral proporcional.
Um dos principais pontos levantados pelo PTB é que a possibilidade de adesão às federações esvazia a cláusula de desempenho instituída pela Emenda Constitucional 97/2017, que projetava a redução gradual do número de partidos até que o sistema eleitoral chegasse a 2030 com uma média de oito legendas fortes. Na prática, ao se aglutinarem, partidos que sozinhos não seriam capazes de obter representação suficiente para reivindicar participação no fundo eleitoral continuarão a existir, o que pode abrir caminho para manutenção da fragmentação de partidos no País.
Na ação enviada aos ministros, o partido diz que as federações se traduzem em uma ‘tentativa do legislador ordinário de dar sobrevida aos partidos com baixo desempenho eleitoral’. “É preciso respeitar a decisão do constituinte derivado de dar cabo à hiperfragmentação partidária, que causa graves distorções ao nosso presidencialismo de coalização”, defende o PTB.
Para a advogada Ezikelly Barros, que representa o PTB na ação, a discussão deve se concentrar no caminho por meio do qual as federações foram aprovadas no Congresso.
“A pergunta principal que a Suprema Corte deverá responder, ao julgar a ADI n. 7021, será sobre a (im)possibilidade de uma lei ordinária modificar o sistema partidário estabelecido na Constituição, na medida em que essa federação criada pela Lei n. 14.208/2021 — enquanto alternativa às opções constitucionais: fusão e incorporação — modificará os aprimoramentos realizados pela EC n. 97/2017”, defende ao Estadão.
Desde o recebimento do processo no Supremo, outros cinco partidos se cadastraram para contribuir com a discussão – PCdoB, PV, Cidadania, PT e PSB. Todos defendem as federações como ‘instrumento democrático’. A avaliação é que o mecanismo faz frente ao que avaliam como restrições à participação eleitoral.
No STF, os ministros podem seguir três caminhos: declarar as federações inconstitucionais, o que extinguiria a possibilidade de aglutinação dos partidos; manter o instituto nos termos em que foi criado, encerrando a discussão judicial sobre o tema; ou, ainda, modular a decisão para que as federações seja admitidas nas eleições de 2022, em razão da proximidade do pleito, mas exigindo que o tema seja regulamentado pelo Congresso via Emenda Constitucional, sob pena de anulação da mudança no sistema de organização partidária.