COLUNA DO SARNEY: Urubus, tatus e papagaios

A crise soviética dos anos 90 adiou uma reflexão grave que me ocorreu sobre o tatu e a pauta de exportação. O estalo aconteceu quando li o artigo do Otto Lara, denunciando a extinção do tatu-canastra em Minas Gerais. É trágica a quantidade de coisas que estão em extinção no Brasil, mas a do tatu é catástrofe nacional. É a perda de importante elo cultural. O tatu é o símbolo do que temos de mais forte, o fraco Jeca Tatu, consagrado pelo Monteiro Lobato, expressão da pobreza miserável, agora chamada pelos economistas de absoluta.

Otto revela que já exportamos tatus e até urubu. Eu acrescento papagaios e macacos. Nossos primeiros cronistas ficaram fascinados com o tatu. Abbeville, d’Évreux, etc.

Frei Cristóvão de Lisboa, em sua História dos animais, aves e plantas, tem um dos primeiros e belos desenhos do tatu, esnobado, com o nome em francês Tatou, gravura que escapou do incêndio do terremoto de Lisboa em 1755, porque estava com o gravador e não no Convento dos Capuchinhos.

Eles anotaram os hábitos desse bicho: só anda de noite, refugia-se em buracos. Alexandre Rodrigues Ferreira, na sua Viagem filosófica nas capitanias do Grão-Pará, relaciona três tipos: o etê, tatu verdadeiro, o peba e o tatuapara, isto é, o tatu-bola, assim chamado porque fica com essa forma para dormir ou fugir de perseguição, observando cuidadoso que “tem pênis proeminente, carne branca e saborosa”. É animal ligeiro e, entrando no buraco, mesmo agarrado pelo rabo, não sai. “O único jeito é enfiar corajosamente o dedo no suspiro.” Ele perde as forças, envergonhado. É o relato de Odylo Costa, filho, citando Blaise Cendrars, estudioso desses hábitos.

Eu ainda vi, nas feiras do Nordeste, tatu orelhado. Era o tatu vivo, caçado para ser vendido, as orelhas furadas e cruzadas na testa, não lhe permitindo visão. Prato de domingo, com leite de babaçu, partilhado com visitas. Menino não tinha direito. Era sem dúvida o bola ou o galinha, já que o peba tinha cheiro ruim, comia defunto.

Vamos ao urubu. Este, coitado, também está em extinção. Seu sistema digestivo foi feito para comer bicho podre e não para respirar ar pobre, pois não há uma coisa que todo bicho tem: septo. Hoje, exportado para a Europa, morreria, pois o ar, ali, poluído, está matando até urubu. Por outro lado, os bichos que morrem já não servem para urubu. Têm produtos químicos, pesticidas, e seu estômago, feito por Deus para resistir a bactérias, a estas desgraças não resistem. A coisa está preta até para urubu.

O Barão de Blanchard, em 1531, reclamou que os portugueses tinham tomado seu navio, o Pelèrine, e roubado sua carga preciosa. Qual era? Quarenta mil toras de pau-brasil, três mil peles de onça, algodão, óleos e 600 papagaios, sachant déjà quelques mots de français. Falando já algumas palavras de francês! Cada um, 3.600 ducados! Mais caros que as outras mercadorias!

É, agora, tudo em extinção. E não podemos recorrer nem aos tatus, aos papagaios e aos urubus.