Para quem tem tempo, segue abaixo um texto longo – mas interessante – da lavra do advogado Marcos Coutinho Lobo.
O TJMA, no dia 11.12.2013, julgou constitucional a lei que criou a Fundação da Memória Republica contra pretensão da OAB/MA que alegava a inconstitucionalidade. Veja a notícia no link: http://www.tjma.jus.br/tj/visualiza/sessao/19/publicacao/404205.
Sobre esta lei, assim que aprovada, a OAB/MA imediatamente “subiu nas tamancas” para bardar teses e impropérios contra a norma.
Eu, na minha condição de advogado, escrevi artigo que desconstruía as teses mirabolantes da OAB/MA e asseverei da constitucionalidade e legalidade da lei. O artigo segue transcrito e adiante volto ao texto:
“Lago de Bobagens sobre a Fundação Sarney
São inteiramente primários os argumentos suscitadas pela OAB/MA em torno da constitucionalidade da criação, por Lei Estadual, da Fundação da Memória Republicana que vai abrigar o acervo inestimável e histórico da Fundação José Sarney, em extinção.
A primeira questão a ser observada é que, manifestamente, inconstitucional é a pretensão da Seccional da OAB/MA de querer ajuizar ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, pois, segundo a Constituição da República, somente o Conselho Federal da OAB tem legitimidade para tanto. É o que diz o art. 103, VII. Vide:
Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade:
VII – o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
De tudo quanto comentado, o mínimo que se pode dizer é que tais alegações são frutos da parcialidade política, para não dizer que nascem da falta de conhecimentos jurídicos.
Não existe nenhuma vedação da Constituição da República acerca da matéria.
De que trata a lei atacada? A criação de uma fundação pare preservar a memória da República e especialmente deixar no Maranhão um dos acervos mais valiosos dela, o que pertence ao ex-presidente José Sarney. São um milhão e cem mil documentos textuais, mais de três mil peças de museu, todos os presentes por ele recebidos na presidência por doação de Chefes de Estado, manuscritos valiosíssimos. Esse grande arquivo ficará no Maranhão para visita pública e acesso a todos os estudiosos da História. A Fundação criada agora pelo Estado será também um centro de estudos políticos, históricos e sociais. Para o Maranhão virão visitantes e pesquisadores de todo o Brasil em busca de fontes primárias para escrever a História. Na parte do Museu como vem ocorrendo, será um ponto turístico e de visitação dos brasileiros e estrangeiros que passam pelo Maranhão. Basta ver o livro de visitas, que só em 2010, registrou mais de cem mil presenças.
Pela sua falta de intimidade com o direito, o dr. Rodrigo Lago diz que a lei sempre terá que ser impessoal. Ora, a lei citada é destinada a preservação da memória histórica, proteger a cultura e nada tem de pessoal. A alusão de que o ex-presidente Sarney será seu patrono nada tem a ver com a impessoalidade da lei. Patrono é padrinho, é patrocinador, é protetor, é um titulo simbólico. Nada tem a ver com vantagens pessoais. Nada mais justo e claro essa homenagem, pois foi ele quem num gesto de magnanidade e grandeza doou ao Estado do Maranhão e seu povo, uma fortuna incalculável que é o acervo da Fundação que tem o seu nome e que ele está extinguindo para doar todo o seu patrimônio ao povo maranhense. Mais ainda está doando tudo que montou na sua Fundação como equipamentos, computadores, móveis e tudo mais que construiu, laboratórios de restauração de documentos e livros, mapas antigos, estátuas, a biblioteca de mais de trinta mil livros, alguns raríssimos, e centenas de primeiras edições que não tem preço.
Portanto, ele é mesmo o patrono, o patrocinador, o protetor da nova Fundação. A respeito desse assunto, nada tem de inconstitucional e a Lei n. 12458, de 2011, assinada pela presidente Dilma, regula o que é ser patrono. Veja-se o texto da lei:
Art. 1º. O título de patrono ou patrona, outorgado por lei, destina-se à pessoa escolhida como figura tutelar:
VI – de evento cultural, científico ou de interesse nacional.
Parágrafo único. O patrono ou patrona de determinada categoria será escolhido entre brasileiros, vivos ou mortos, que se tenham distinguido por excepcional contribuição ou demonstrado especial dedicação ao segmento para o qual sua atuação servirá de paradigma.
Art. 2º A outorga do título de patrono ou patrona é homenagem cívica a ser sugerida em projeto de lei específico, em que constará a justificativa fundamentada da escolha do nome indicado.
Art. 3º O título de patrono ou patrona tem valor exclusivamente simbólico, não implicando benefício material de qualquer natureza ao homenageado ou a seus sucessores.”
Nada há mais claro e incontestável. O ex-Presidente Sarney foi presidente da República, membro da Acadêmica de Letras do Brasil, da Academia de Ciências de Lisboa e autor de vasta obra literária de mais de oitenta títulos de livros. É ele o doador da nova Fundação. Quem poderia ser patrono dela, protetor dela senão ele?
E qual seria a justificativa para instituir um cargo de patrono? A resposta é ainda mais óbvia: O patrono instituído pela Lei tem plena legitimidade e interesse legítimo na conservação do acervo por ele constituído e que é de relevante valor para a República.
O fato de indicar dois nomes para seu conselho de 11 membros é natural, pois estes serão vigilantes para que não se desvie os seus fins nem se dilapide seu patrimônio doado pelo Patrono, embora não sejam senão 2 em 11.
Basta que se observe que não há violação do princípio da impessoalidade no fato de que a Lei veda remuneração ao Patrono e aos conselheiros por ele indicado, e o suposto “poder de veto” não é atribuição do patrono ou dos conselheiros por ele indicado, mas da deliberação de todos os conselheiros.
Ora, se o intuito da Lei é a preservação e conservação do acervo, não há inconstitucionalidade, pois a preservação e conservação são de interesse público, da coletividade, e não de uma pessoa determinada. O interesse protegido é despersonalizado.
Como é de reconhecimento público os bens da Fundação José Sarney tem importância pública e de inestimável valor histórico, artístico, cultural etc.
Dessa forma, sejamos rápidos e profiláticos para demonstrar a injuridicidade das objeções da OAB/MA.
O art. 23, I, III, IV e V, da Constituição da República, dispõe que é competência comum da União, dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios, “conservar o patrimônio público”; “proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural”; “impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural”; “proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência”.
Já o art. 24, VII, VIII e IX, também da Constituição da República, preceitua que competente à União aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre “proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico”; “responsabilidade por dano a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico”; e “educação, cultura”.
É da mesma Lei Federal n°. 12.458/2011 que se extrai a conclusão de que não há violação ao princípio da impessoalidade porque, conforme estabelecem o parágrafo único do art. 1°. e o caput do art. 3°., respectivamente, “O patrono ou patrona de determinada categoria será escolhido entre brasileiros, vivos ou mortos, que se tenham distinguido por excepcional contribuição ou demonstrado especial dedicação ao segmento para o qual sua atuação servirá de paradigma” e o “O título de patrono ou patrona tem valor exclusivamente simbólico, não implicando benefício material de qualquer natureza ao homenageado ou a seus sucessores”.
Ademais, “A outorga do título de patrono ou patrona é homenagem cívica a ser sugerida em projeto de lei específico, em que constará a justificativa fundamentada da escolha do nome indicado” (art. 2°. da Lei Federal n°. 12.458/2011).
Dessarte, o que estabelece a Lei Estadual encontra correspondência também na Lei Federal, já porque não se estabelece nenhum benefício material ao patrono e seus sucessores, já porque a outorga tem como foco único a tutela dos bens transferidos.
Não há, na norma impugnada, tratamento personalista, mas tão-somente a atribuição de encargo ao patrono, encargo este que se encontra em sintonia com o interesse público, no caso, a preservação e conservação de bens de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
Ao patrono, portanto, incumbirá, em sintonia com as normas de regência, em sintonia com interesse público, a tutela dos bens.
Frise-se que, “É dever do Poder Público a gestão documental e a proteção especial a documentos de arquivos, como instrumento de apoio à administração, à cultura, ao desenvolvimento científico e como elementos de prova e informação.” (art. 1°. da Lei n°. 8.159/91) e que “Consideram-se arquivos, para os fins desta Lei, os conjuntos de documentos produzidos e recebidos por órgãos públicos, instituições de caráter público e entidades privadas, em decorrência do exercício de atividades específicas, bem como por pessoa física, qualquer que seja o suporte da informação ou a natureza dos documentos” (art. 2°. da Lei n°. 8,.159/91).
O compasso da Lei Estadual, portanto, é de absoluta regularidade porque em harmonia com a Constituição da República, porque a motivação (princípio da motivação) é lícita (princípio da legalidade), moral (princípio da moralidade) e legítima (princípio da legitimidade), e visa o interesse público (princípio da supremacia do interesse público), assim como encontra respaldo em normas federais que cuidam da matéria.
Quanto aos sucessores, transmite-se apenas o encargo, a obrigação de proteger, de tutelar, os bens públicos. Não se institui um benefício, mas um encargo.
E, por fim, há de se destacar que a Lei Estadual tem a nobreza de ter por escopo a conservação de bens que apresentam valor histórico para a preservação da memória nacional.
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Por ter feito isso – quiçá ousar redarguir as teses da OAB/MA – fui destratado, “esculachado” mesmo, pelo Presidente da OAB/MA, o senhor Mário Macieira. Disse, o Presidente da OAB/MA, para contemplação e anuência dos conselheiros, que eu não tinha condições de “dar lição de advocacia” a quem quer que fosse e que eu “não servia de exemplo para ninguém”.
Como todos os membros do Conselho da OAB/MA ficaram calados até hoje sobre o episódio, entendo que todos aderiram à conduta do Presidente.
E eu me calei? Lógico que não. Olhem a resposta devida por mim e merecida pela OAB/MA. Adiante volto ao texto:
“Quanto à nota “Os ataques de Mário Macieira”, somente posso lamentar as atitudes dos conselheiros da OAB.
O lamento nada tem a ver sobre a minha pessoa, pois muito pouco importa o que os conselheiros da OAB pensam sobre mim. Suas opiniões e julgamentos são absolutamente irrelevantes. O nada absoluto.
O que é lamentável é que precisam compreender que eles têm pleno direito de manifestar, livremente, suas opiniões sobre qualquer assunto e, na mesma medida, qualquer cidadão, como eu, pode se contrapor ao que eles pensam.
No regime democrático as opiniões podem ser em direção e sentidos contrários.
É assim o nosso Estado.
É o que expressa a nossa Constituição da República. É o princípio democrático; é o pluralismo de ideias e posições políticas sem preconceitos; é o livre direito do pensamento; é o direito pleno de expressão e manifestação; é o contraditório; é a inviolabilidade e liberdade de consciência; é a liberdade plena de convicção filosófica ou política; é a livre expressão da atividade intelectual e artística.
Ademais, a Constituição da República impõe o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão e, ao mesmo tempo, diz que é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.
Não adianta apenas ler a Constituição. É preciso por em pratica a Constituição.
O direito de crítica é da própria natureza do estado democrático de direito.
A diversidade e a divergência é da própria natureza no debate e crítica de ideias e teses.
Não custa lembrar que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição (art. 220 da Constituição da República) e que é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística (§ 2º. do art. 220 da Constituição da República).
E não vou nem evocar as Declarações de Direitos e tratados e convenções internacionais que tratam de direitos humanos.
A OAB não deveria se tornar uma corporação dos membros do conselho contra todos que se contrapõem às suas opiniões. A OAB não deveria preferir uns advogados em detrimento de outros quando em questão opiniões ou teses jurídicas. A OAB não pode ser um “centro” de culto às próprias opiniões e/ou de alguns advogados.
Aliás, o Estatuto da OAB, que é uma Lei aprovada pelo Congresso Nacional, garante que “não há hierarquia nem subordinação entre advogados”, que “é direito do advogado exercer, com liberdade, a profissão em todo o território nacional”, que “O advogado, no exercício da profissão, deve manter independência em qualquer circunstância”, que “nenhum receio de desagradar a magistrado ou a qualquer autoridade, nem de incorrer em impopularidade, deve deter o advogado no exercício da profissão”.
E é o próprio estatuto da OAB que determina que a “Ordem dos Advogados do Brasil – OAB” tem por finalidade “defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos”, dentre os quais o meu direito de expressar livremente as minhas convicções, opiniões, teses etc.
Lamentável e lastimável, portanto, a posição da OAB contra mim.
De qualquer sorte, repito, pouco importa o que a OAB pensa acerca do que eu penso.
E os colegas advogados membros dos conselhos da OAB não me tirem como adversários, pois não faço parte de nenhuma facção que se digladia pelo controle da OAB. Continuem a usar da OAB como bem entenderem. Não tenho nenhum interesse na OAB. A única ligação que mantenho com a OAB é o pagamento obrigatório que faço da anuidade todos os anos.
Renuncio, publicamente, a qualquer cargos ou função na OAB.
Ao colega advogado Rodrigo Lago, digo que o convidei para ministrar cursos etc. no sentido de promover o debate de ideias, difusão do conhecimento e que tudo isso, necessariamente, implicaria contraditas etc. Foi nesse sentido o convite, ou seja, a participação no campo democrático do debate livre, das possibilidades da contradita dos participantes dos cursos, seminários etc. Com base nesses postulados, o colega não deve se sentir “desconvidado”.
Quanto ao advogado Mário Macieira, tenho a dizer que nunca quis e nem pretendo dar lição de advocacia a quem quer que seja. Nunca quis e nem quero servir de exemplo para ninguém. Na verdade, não sou exemplo para ninguém. Por outro lado, o Presidente da OAB/MA deveria respeitar os meus direitos de opinião, de expressão etc. Este, sim, seria um extraordinário exemplo a ser dado a todos os advogados. Como presidente da OAB, tal como um juiz, deveria mediar, ser um árbitro em eventuais contendas entre advogados, e não adentrar no jogo para defender um dos jogadores que estão em campo a disputar uma partida. Não obstante, é um direito do presidente da OAB adotar essa posição. Respeito esse direito.
À OAB deixo a mensagem de que o meu pensamento e minhas convicções não aceitam peias e censuras. O exercício da minha cidadania não será tolhido porque a OAB não concorda com o que penso. Continuarei a exercer plenamente a liberdade de pensamento, pois a regra da Constituição da República é o pluralismo de ideias.
Se a OAB decidir exercer o seu suposto poder de mando sobre os advogados contra mim, evocarei, no Judiciário, os direitos fundamentais de opinião, convicção, crítica etc. a que tenho direito, pois também é regra da Constituição da República que “conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas-corpus ou habeas-data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público” (art. 5º, LXIX).
Acima da OAB e de seus conselheiros, a Constituição.”
Como dito, o Judiciário declarou a constitucionalidade da lei da Fundação da Memória Republicana.
Eu estava certo. A OAB, errada.
E qual a importância disso tudo? Nenhuma. A OAB/MA queria fazer proselitismo político contra José Sarney. Fez e pronto.