Por Anna Graziella Neiva*
Ano de eleição, ano de questionamentos. As leis que regem o processo eleitoral brasileiro mudam com frequência e, quando a sociedade muda (e tem mudado rapidamente), é natural que as normas acompanhem esse processo de mutação.
A última lei promulgada pelo Congresso Nacional que impactará o próximo pleito é a Emenda Constitucional 111/2021. Entre as principais alterações promovidas estão a realização de consultas populares concomitantes às eleições municipais e a alteração na data de posse de governadores e do presidente da República a partir das eleições de 2026. A partir daí, a posse do presidente passará a ser em 5 de janeiro. Governadores serão empossados no dia seguinte, 6 de janeiro.
A fidelidade partidária também foi alcançada pela Emenda 111. Vereadores, deputados federais, estaduais e distritais que se desligarem do partido pelo qual tenham sido eleitos não perderão o mandato nos casos de anuência da agremiação ou nas hipóteses de justa causa estabelecida em lei. As migrações de um partido para outro não serão, no entanto, computadas para fins de distribuição de recursos do fundo partidário ou de outros fundos públicos e de acesso gratuito ao rádio e à televisão.
A inclusão da nova regra disposta no parágrafo 6º, ao artigo 17, da Constituição Federal traz inovação que já alcança decisões judiciais proferidas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nesse início de 2022. Em resumo, supera jurisprudência consolidada nas Cortes Eleitorais do país e que prevalecia no plenário do TSE até novembro de 2021. Até então, a lei dizia: “A carta de anuência oferecida pelos partidos políticos aos representantes individuais, eleitos pela legenda, não configura, por si só, justa causa para a desfiliação partidária”.
O citado entendimento, então, encontra-se completamente superado por força do artigo 17, § 6º, Constituição Federal.
Outra mudança que merece especial relevo foi a inclusão na Constituição Federal de regras que incentivam as candidaturas de mulheres e de pessoas negras para a Câmara dos Deputados nas eleições de 2022 a 2030, para fins de distribuição, entre os partidos políticos, do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).
Essa alteração visa, ainda que timidamente, a atacar os alarmantes indicadores brasileiros que atestam a sub-representação feminina no mundo político, os quais pontuaria, exemplificativamente, com as seguintes assertivas: 1) o Brasil tem o 3º pior índice de representação feminina das Américas; 2) o Brasil tem menos mulheres no Congresso que a Arábia Saudita.
A média mundial de representação feminina nos órgãos legislativos federais é de 30%. O Brasil deixou a marca de um indecoroso percentual de 10% e migrou para um ainda incômodo patamar de 15% quando, nas últimas eleições, por meio de uma decisão proferida no âmbito de uma consulta, o TSE garantiu às mulheres candidatas acesso a 30% do fundo partidário e do tempo de televisão.
Por fim, é interessante pontuar, no que diz respeito a esta regra de incentivo, que todo o país acompanhou nos últimos anos decisões judiciais acerca das candidaturas-laranja, posteriormente denominadas fictícias, em que a norma estava centrada em um caráter punitivo, sancionatório. A regra contida na emenda constitucional de 2021 altera completamente essa lógica, transformando-a em incentivo financeiro.
Como dito no início, é de fundamental importância que as normas mudem para que também transmudem a face da sociedade. Afinal, já dizia Martin Luther King: “Nós não somos o que gostaríamos de ser. Nós não somos o que ainda iremos ser. Mas, graças a Deus, Não somos mais quem nós éramos”.
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* Anna Graziella Neiva é advogada e desembargadora do TRE-MA. Especialista em Ciência Jurídico-Política, Eleitoral e Direito Constitucional, tem MBA em Direito Tributário, e é mestranda em Ciências Jurídico-Políticas. Integra a Comissão Especial de Direito Eleitoral do Conselho Federal da OAB, a Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral) e o IAB (Instituto dos Advogados do Brasil).